Portugal

Aguentar. Até quando?

A violência no namoro é um assunto quase tabu. Praticamente desconhecido. Fala-se muito em violência doméstica entre marido e mulher, mas a verdade é que pouco ou nada se sabe do que acontece num namoro – porque é “apenas” isso, um namoro. Não há um documento que firme um contrato entre duas pessoas. Mas acontece. Acontece entre adolescentes, jovens adultos, heterossexuais, homossexuais – acontece! Tivemos a oportunidade de ouvir os testemunhos de dois casos. Vamos optar pelo anonimato.
Trazemos-vos primeiro a história de uma mulher que, com apenas 17 anos, entrou numa relação com aquele que viria a ser o seu companheiro de 13 anos, pai dos seus dois filhos. Nunca chegaram a casar, porque ele “não era o tal”.

Depois de dois anos de namoro fomos morar juntos e na realidade tínhamos algumas discussões por causa de ciúmes da parte dele – principalmente porque houve uma fase em que eu não tinha grande vontade de ter relações sexuais e ele, como queria sempre, dizia-me que se eu não queria era porque tinha outra pessoa. E isto durou algum tempo, até que uma vez ele se levantou da cama e ameaçou-me com uma caçadeira. Nessa altura quis acabar o namoro – tanto que fui uma semana para outra cidade, para ficar longe. Mas o meu pai ficou contra mim, ele é muito “antigo” nessas coisas, não aceita que a filha tivesse separada da pessoa com quem estava. E eu como sabia que não ia ter casa quando voltasse, porque o meu pai não me ia receber, voltei para o meu ex-namorado.

Nesta relação, a violência física não era a que doía.

Ele nunca me bateu mesmo, empurrou-me, mas bater mesmo não. Foi tudo muito à base de agressões verbais e humilhações, mesmo quando os meus pais estavam por perto.

Depois de três anos juntos, nasce o primeiro filho.

As coisas aí ainda pioraram mais. Deixámos de dormir na mesma cama, por causa do menino. E ele também trabalhava fora e era raro estar por cá, mas quando estava, só queria estar comigo porque só queria ter relações sexuais. Eu perguntava-lhe por coisas como amor, carinho, conversa… E ele levava sempre a mal, para ele o facto de eu não querer significava que eu tinha outro. Foi muito complicado. Entretanto, passado uns anos eu acabei por ter outro filho, para dar um irmão ao meu mais velho, foi por ele. Mas a verdade é que ainda foi pior. E aí eu tentei várias vezes separar-me, só que ele ameaçava que se matava. Eu não queria que ele cometesse nenhuma loucura, principalmente pelos meus filhos.

Apesar de tudo, ela foi “ficando”. Durante 13 anos. – “Como ele estava sempre a trabalhar fora, era mais fácil… Ia lidando com a situação. Quando ele vinha é que era aquele sufoco. E eu fui ficando, porque o meu pai não aceitava de maneira nenhuma que eu o deixasse. Mas o ano passado resolvi mesmo por um ponto final nisto e ir contra tudo e todos.”

Acreditavas que ele ia mudar?

Nunca achei que ele mudasse – já tinha percebido bem a maneira de ele ser.

Ele prometia que ia mudar?

Ele achava que tava tudo bem da parte dele. Eu é que estava sempre mal.

Um dia ela não aguentou mais, não havia mais por onde segurar – Ele viu que eu estava a trocar mensagens com um amigo a comentar que a minha relação não estava bem. Ligou-me e ameaçou-me que ia partir a casa toda se eu não fosse para casa naquele momento. Eu fui e foi nesse dia que lhe disse que a nossa relação acabava ali. A partir daí começou a perseguir-me e a insultar-me. Ia atras de mim para o meu emprego, trancava-me as portas de casa quando eu voltava de trabalhar, mandava a irmã dele ao meu local de trabalho para ver o que eu estava a fazer. Ele só saiu de casa depois de quatro meses do fim da relação. E durante esse tempo todo ninguém da minha família entendia a minha posição, ninguém dizia nada, por causa do meu pai – só agora é que o meu pai começou a perceber aquilo que ele é.

Agora, com 31 anos, Ela é feliz. A coragem e a necessidade de paz, fez com que o ponto final fosse definitivo. Este é um caso, apesar de tudo, de sucesso. Estar cá ainda para nos contar a história é algo que nem sempre acontece.

_____

Este é o outro caso que vos falávamos. Também anónimo. A história de um homem que, aos 25 anos, assumiu perante o mundo estar apaixonado por outro homem. Como em tantas outras relações entre casais, mas menos comum de se ouvir falar – porque homossexualidade já é assunto tabu o suficiente – a violência existiu. Um testemunho extremamente poderoso que diz muito, basta ler com atenção.

A bissexualidade era algo que desde há algum tempo sabia que era meu, mas sempre tive nos meus planos constituir uma família, casar, ter filhos etc. Nunca me passou pela cabeça que me iria apaixonar por um homem. Mas aos 25 anos aconteceu e foi algo intenso.

Primeiro: contar à família e aos amigos; Depois: saber lidar com todas as consequências que isso poderia trazer. Felizmente para mim tudo foi fácil e natural e comecei a ter uma vida muito mais descansada e feliz.

Até que na relação, como em todas as outras, algo corre mal. Tu pensas: “assumi tudo por esta pessoa e agora posso ficar sozinho… E agora? Como vai ser?” E perdoas tudo só pelo medo de ficar sozinho.

Depois vem a falta de confiança, que é sem dúvida a base de qualquer relação, seja ela amorosa ou apenas uma amizade. A dúvida constante, a procura de algo – mesmo que não exista – levaram-me rapidamente à transformação deste amor numa obsessão! As discussões aumentam, porque não há um momento em que se possa relaxar, e começas por agressão verbal, que intensifica a uma escala rápida sem que te apercebas. Depois surge uma chapada – a humilhação, o ficares preocupado que alguém descubra. Até que te apercebes que semana sim semana sim, estás envolvido numa discussão causada por ciúmes e o ambiente é de tal maneira desesperante que uma chapada passa a um pontapé, até ao ponto de ficares impossibilitado de sair à rua. Porque aí todos vão saber o que aconteceu.

O que custou mais foi ter que contar a alguém, sem dúvida. Até porque a agressão já era de ambas as partes. Quão vergonhoso seria dizer que eu e o meu namorado andámos à porrada? A pessoa que eu supostamente mais amo sofre de violência por minha parte também. Cheguei a ter medo no que isto se poderia tornar

Claro que as conversas calmas existiam, aliás existiram bastantes, o tentar perceber o porquê, os pedidos de desculpa, as promessas de mudança que aconteciam durante os dois dias seguintes e depois voltava tudo ao mesmo. Mas vais ficando a tentar mudar, a tentar agradar, até que a obsessão fala sempre mais alto.

Cheguei a pensar que estava louco, que nada poderia fazer para mudar a minha vida, porque sem ele seria impossível… Chegas a um ponto de desespero tão grande que acabas por perder tudo à tua volta. E foi isso que me fez acordar. Eu não poderia prejudicar mais a minha carreira profissional. Então comecei a dedicar o meu tempo a algo que realmente me fez estar ocupado e que me fez sentir realizado, de tal forma que nem tive quase tempo para “filmes” pessoais!

O melhor de tudo isto é que o cansaço faz com que aproveites ao máximo o tempo que estás em casa e com ele! Então assim do nada, uma despreocupação faz com que o amor volte ao ponto máximo, que tenhas uma vida relaxada, que consigas realmente amar alguém da forma correta, e todas essas coisas menos boas vão embora. Porque desde há algum tempo que tudo está bem. E posso dizer que nunca me arrependo de ter ficado! Ninguém muda, isso é verdade, mas as pessoas moldam-se, e o namoro é mesmo isso. O aprender a lidar com a pessoa.

Será difícil explicar o porquê de ter ficado, talvez não conseguirão entender, mas digo que estou feliz e em nada me arrependo.

 

Catarina Balça

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