Opinião

Vem da era medieval e nunca foi interrompida

Deixo aqui uma breve história das tradições pascais no Minho

Será que vale a pena não haver visita pascal?

Sim vale a pena, todos os dias os números aumentam e não se vai correr o risco de andar de casa em casa sujeitos a passar ou receber o dito vírus, esse que já chateia de tanto se ouve falar nele.

Páscoa: para quem não sabe, o Compasso Pascal ou Visita Pascal como assim é conhecida, significa a Cruz com a imagem do Crucificado. Já existia entre os romanos, tornou-se para os cristãos após a ressurreição de Jesus, sinal de redenção e glória, por isso é que a cruz de Jesus Cristo é adornada e perfumada como emblema de fé e acompanha o pároco quando ele na alegria pascal vai benzer as casas dos seus paroquianos. A origem do Compasso não é levar a cruz a beijar a casa dos cristãos, mas sim benzer as suas casas, liturgicamente dentro da celebração do tríduo pascal. O adorar e beijar da cruz fazia-se nas igrejas em dia de Sexta-Feira Santa, como muitos têm conhecimento – ainda hoje, em várias cidades, se mantém a tradição de fazer a visita às igrejas e capelas na Sexta-Feira Santa, mas no Minho especialmente. A verdadeira tradição é a Visita Pascal no domingo: as portas abrem-se a Jesus Cristo e a toda a população, é uma festa que por razões que todos sabemos este ano foi cancelada. Eu tenho lembranças de quando miúdo do Domingo de Páscoa que nunca me esqueço: sair de casa de manhã e entrar para almoçar, voltar a sair e só regressar pela noite dentro depois do Compasso Pascal terminar a visita a todas as casas com a porta aberta. No final, era um grupo como família: o padre já nos esperava de um ano para outro. Não faltavam os doces, as amêndoas… Parece que naquele domingo o cheiro era diferente e, na realidade, era tudo perfumado – até os tremoços tinham outro sabor, era uma tradição não faltar tremoços na altura da Páscoa. São coisas como estas que fazem com que os minhotos se sintam diferentes. Infelizmente este ano não vai haver aquilo que para muitos de nós é uma tradição e para a qual ninguém esperava uma interrupção.

Páscoa no Alto Minho tem um sabor diferente, quando digo sabor refiro-me à forma como as pessoas festejavam este dia – antigamente, o “Dia da Cruz”, era encabeçado pelo sacerdote paramentado de chapéu de três-bicos, sotaina, sobrepeliz e estola, era acaudatado pelo mordomo da cruz, os moços da caldeira, da campainha e das esmolas, os homens de opas que recolhiam o folar do abade e as pessoas mais “santóginhas” da paróquia, acompanhados por alguns tocadores de bombos, etc., (ainda hoje acontece só não se vestem da mesma forma). As casas que “abriam a porta à cruz” eram preparadas de antemão: limpeza geral para aliviar o sarranho, profusão de adornos de flores e motivos vegetalistas à entrada, ervas odoríferas espalhadas na cozinha ou sala fadada à visita, cheirosas malvas e alecrins, no fito de atenuar os odores incómodos do sarro e do cortelho do gado… Sim, porque as casas dos agricultores eram assim mesmo, viviam por cima e os animais em baixo – funcionava como aquecimento. As pessoas botavam nas camas as melhores colchas, as lindíssimas toalhas de linho saíam airosas das arcas onde recolhiam o ano inteiro, os caminhos eram alcatifados com giestas, urzes e ramos, um tapete verde que ligava umas casas às outras, as pessoas vestiam as melhores roupas, as moças saíam usando do melhor que havia, mostravam a riqueza da família com o ouro ao pescoço – isto era usado pela próxima a casar, aquela que já tinha namorado confirmado -, os familiares faziam inveja e mostravam que ali havia algo, havia que segurar o moço… Era tudo muito simples e bonito: o mordomo dava o crucifixo a beijar aos presentes ajoelhados, em respeito da primazia hierárquica estabelecida a partir do dono da casa, e todos com o fato de ver a Deus, por cima das ceroilas de estopa, beijavam a cruz com gravidade.

Como o espaço é pouco, não se esqueçam de preparar um bom cabritinho do monte assado no forno e bem regado com um bom verde tinto.

Este moço termina a desejar uma Santa Páscoa a todos os leitores. Um grande abraço para todos já que não o podemos fazer pessoalmente.

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