Opinião

Poema à Lua

O tempo corria lento. Eu estava redonda, muito redonda, e guardava dentro de mim a edição de uma segunda obra, igualmente planeada como fora a primeira. Não sabia ainda se seria ou não da mesma série, pois o nosso conhecimento mútuo limitava-se a monólogos sem resposta e a um silêncio que tudo dizia. Percebi, a partir de então, que a linguagem do amor é a única que não precisa de réplicas e se alimenta de gestos e carícias engendradas em metáforas de faz-de-conta.

Eras a minha lua cheia, que eu carregava na ânsia de que se completasse o último ciclo. Depois de nove voltas completas – lua nova, quarto crescente, lua cheia e quarto minguante – chegarias com o aviso de um romper de águas, numa manhã de cacimbo que humedecia a natureza à nossa volta. O mês dos santos populares chegara ao fim, mas o meu balão aumentara de volume e parecia querer rebentar de ansiedade.

Passaram cinquenta anos. Os jornais chegam cheios de notícias, as rádios transmitem comentários, as televisões repõem imagens de arquivo ou projetam séries de ficção. Lemos e ouvimos vezes sem conta: “Foi um pequeno passo para o homem, mas um passo gigante para a humanidade”.

Na altura, tudo isto me passou ao lado porque eu vivia recolhida na escuridão do meu eclipse, tacteando a minha lua, sem me importar com o que acontecia com a lua de todos nós. Atenta aos movimentos do planeta do meu universo, e apenas do meu, na noite de vinte e dois para vinte e três, deitei-me silenciosamente, na esperança de que, chegada hora, a mesma fosse breve e para breve. Como todos nos desejam, porque sabem que o tempo das emoções não tem a rigidez da astrologia, nem segue as medidas precisas das divisões que os relógios lhes conferem. Sem televisão, sonhei o meu próprio filme sobre a proeza dos homens. Vi-os descer da nave, a caminhar na lua em câmara lenta e a bandeira americana desfraldada, à semelhança do que os portugueses faziam com os padrões com que assinalavam a passagem por terras que ficavam à beira de mares nunca dantes navegados. Eu conhecia a influência da lua nas marés e no anunciar dos partos, e dei por mim a pensar até que ponto aquela epopeia iria mudar o mundo.

Acordei com o mesmo peso de todos os dias, voltada para o lado e apoiada na almofada. Saí, olhei para as outras luas e notei que nada havia mudado. As suas donas caminhavam com o mesmo passo inclinado para trás, apoiando as mãos nos rins de cada vez que paravam para descansar.

Sorte a nossa quer estávamos no cacimbo. A minha lua anterior terminara a gestação no mês primeiro do ano e garanto-vos que não há luar mais quente que o de janeiro: noites e dias a destilar madrugadas tórridas de suor.

Não tive de esperar muito mais. A manhã de vinte e cinco chegou depois de uma noite sem sobressaltos. Não fora a humidade do orvalho nos lençóis a despertar-me para a realidade e a hora breve teria chegado sem aviso. Porque foi mesmo uma hora muito breve, daquelas que se arriscam a não traçar os minutos todos por falta de tempo. Em menos de nada vi-me com o menino nos braços – o meu menino de cabeleira negra e farta deitado sobre o meu ventre lasso dele.

Cinquenta anos depois, celebro o mês e o dia em que a minha lua, cansada de iluminar o crepúsculo dos dias, deitou, na minha cama de esperanças, um raio de luz. Nessa hora escrevi as estrofes do meu mais lindo poema à lua – o meu filho – Celso Alexandre!

Um pequeno passo na obra do Criador, um salto gigante numa vida de amor que se iniciava.

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER