Miguel Matos

A ambição e a segurança nos compromissos eleitorais

Créditos: DR

Numa democracia a sério seria bom aplicarmos a sabedoria que usamos nas nossas finanças pessoais – só nos devemos comprometer com coisas que tenhamos a certeza que consigamos pagar.

A última semana trouxe-nos a realização dos primeiros debates e a publicação do programa eleitoral da AD. Com ela, vimos, tanto da parte da AD como da IL, o regresso de uma conversa estafada sobre a “ambição” dos cenários macroeconómicos que servem de base aos programas eleitorais. No debate com Pedro Nuno Santos, Rui Rocha lamentou os números de crescimento projetado para a economia portuguesa no programa eleitoral do PS e Luís Montenegro, ao apresentar o seu programa, voltou a prometer “ambição” para a evolução do PIB. 

Este tema não é só importante para os geeks económicos que se dedicam a comparar cenários. É importante para todos nós e para a democracia. Afinal, é a partir das projeções de crescimento que se estimam receitas fiscais e, consequentemente, o espaço para se poder assumir mais ou menos compromissos com os eleitores. Se quisermos que os eleitores possam acreditar nos eleitos, é necessário que consigamos honrar a palavra que damos nos pleitos eleitorais. Também só assim é que uma contenda eleitoral é justa, pois só se consegue debater as diferentes opções e prioridades que os partidos têm perante uma mesma disponibilidade orçamental. 

Não é isso que está a acontecer. Tal como tinha antecipado nesta rubrica na semana passada, o alarmismo da AD em relação ao impacto orçamental do programa do PS virou-se contra si mesma quando apresentaram o seu programa. Propondo uma redução do IRS, IRC e IVA da construção num valor total de 3,7 mil milhões de euros, Montenegro e a sua equipa está a prometer mais do dobro do que tinham considerado excessivo e irresponsável uma semana antes. O que deixaria Montenegro de fazer se tiver apenas 1,75 mil milhões de euros de margem? Priorizaria as pessoas ou as empresas? O que fará um governo PS se tiver os 3,7 mil milhões que a AD promete? Essas são perguntas que importam colocar. 

Numa democracia a sério seria bom aplicarmos a sabedoria que usamos nas nossas finanças pessoais – só nos devemos comprometer com coisas que tenhamos a certeza que consigamos pagar. Esse princípio de prudência é, aliás, o mesmo que é exigido, por lei, aos governos na elaboração do Orçamento do Estado. Isso explica que, apesar da AD apresentar no seu programa eleitoral um crescimento médio para 2025-2029 de 2,9%, nos cenários macroeconómicos com que se comprometeu com Bruxelas, o crescimento médio para o mesmo período seja de apenas 1,95%. Também as diversas instituições apresentam projeções que variam entre os 1,9 e 2,0% de crescimento para este período. 

Por onde é que os partidos deviam alinhar então a “ambição” das suas promessas, de crescimento e de medidas? Se os partidos passarem a apresentar crescimentos e propostas para o maior “bolo” de disponibilidade orçamental apresentado por outro partido, estaremos a encorajar promessas sem fim e sem qualquer base de realismo. No leilão eleitoral, nivelar por cima seria, na verdade, nivelar por baixo. Aliás, já vemos esse descolar da realidade nalguns casos, como o programa da IL que promete compensar 6,25 milhões em despesa fiscal com uma redução da despesa de 5 mil milhões que, simplesmente, não sabe justificar. 

É certo que outros 1250 milhões, dizem eles, vêm do “impacto das medidas económicas”. Também Luís Montenegro afirma que a descida do IRC se paga a si própria, apesar de até o insuspeito Pedro Brinca dizer o contrário. É aliás uma tática muito utilizada do outro lado do Atlântico, pelos Republicanos de Donald Trump. O problema é que, por muito que esses impactos existam, eles são incertos e não são exclusivos dessa opção política. Também o IVA Zero ou o investimento público em habitação terão o seu impacto macroeconómico. 

Ao invés de “desejar” um crescimento maior e distribuir promessas com base nisso, seria melhor que, num próximo ato eleitoral, os partidos todos possam apresentar programas com base num mesmo cenário orçamental – seja o do Conselho de Finanças Públicas ou o do Plano Orçamental de Médio Prazo. Seria uma forma mais séria de debater opções e uma maior coerência da tal “ambição”. Afinal, a verdadeira ambição para o país não escolhe locais, conforme se esteja em Bruxelas ou Portugal. É à luz da segurança dos seus compromissos que se pode avaliar a verdadeira “ambição” de um programa eleitoral. À falta dessa segurança talvez se possa, isso sim, julgar a seriedade de quem se candidata a governar. 

Miguel Costa Matos/MS

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