Luís Barreira

Os pecados da Igreja!

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Os portugueses em geral e os católicos em particular viram as suas conceções morais, éticas e religiosas fustigadas com a publicação do relatório da Comissão Independente dos Abusos Sexuais na Igreja Católica portuguesa. Um estudo encomendado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) que, após um ano de investigações sobre o tema, deu por fim o seu encomendado trabalho anual, embora continue a solicitar a continuação das suas investigações, na medida em que o trabalho efetuado é considerado como a “ponta de um enorme iceberg”, nomeadamente na investigação dos arquivos eclesiásticos.

A Comissão Independente relatou a existência de mais de 500 testemunhos e, pelo menos, 4.815 vítimas. Além dos 512 testemunhos validados (e que perspetivam, pelo menos, mais outros 4.300), num universo de 564 comunicações recebidas, 25 dos quais enviados diretamente para o Ministério Público, as pessoas (entre as quais algumas autoridades eclesiásticas) que assistiam no auditório da Fundação Calouste Gulbenkian aos relatos dos crimes denunciados por esta Comissão, ficaram profundamente chocadas com a indignidade de muitos dos casos relatados, como foi o caso de um padre pedófilo que abusou, pelo menos, de 100 rapazes.

A síntese do referido relatório descreve alguns aspetos estatísticos interessantes sobre as vítimas desses abusos sexuais, entre 1950 e 2022. Entre os elementos recolhidos: 57,2% eram do sexo masculino e 42,2% do sexo feminino; as vítimas vivem em território nacional, mas chegaram também testemunhos de pessoas que vivem agora na Europa Ocidental, continente americano e africano; 53% da população participante é católica e 25,8% praticantes; 40,9% são casados e 60% têm filhos; 32,4% são licenciados e 12,9% possuem mestrado e as profissões atuais dominantes são de especialistas em áreas intelectuais e científicas.

A maior parte das crianças abusadas tinham idades compreendidas entre os 10 e os 14 anos, embora algumas tivessem sofrido abusos muito mais novas e o maior número desses abusos (58%) deu-se entre 1960 e 1990.
O tipo de abusos praticados, em que 77% dos agressores eram padres, variava em função do género das vítimas. No caso dos rapazes destacava-se o predomínio do sexo anal, a manipulação dos órgãos sexuais e a masturbação, enquanto no caso das raparigas predominava a insinuação. No entanto e ao longo das últimas décadas, os abusos foram evoluindo para outras formas, como o sexo oral e o visionamento de pornografia infantil, sendo que os locais onde se verificaram maiores incidências de violação foram: nos seminários (23%); igrejas (18,8%); casas paroquiais (12,9%) e escolas religiosas (6,9%).

Registe-se ainda que as zonas do país onde se verificaram mais casos, levando a Comissão a considerá-las “verdadeiras zonas negras”, foram: Lisboa, Porto, Braga, Santarém e Leiria.

Ao longo do ano de 2022 e à medida que foram sendo revelados os casos de abuso sexual de menores por membros da Igreja, quer esta, quer a restante sociedade portuguesa mostraram-se profundamente abaladas, tal como aconteceu noutros países, nomeadamente: com o encobrimento dessas situações pela hierarquia da Igreja; os seus sucessivos pedidos de desculpa e o tipo das punições dessa hierarquia aos seus abusadores. Dos casos de abuso sexual identificados nos arquivos, alguns deram origem a investigações prévias e a processos administrativos penais. No entanto, a maioria das punições aplicadas pela hierarquia religiosa foram: envio dos abusadores para retiros espirituais, destituição de funções, transferência de paróquia, permanência na mesma sob vigilância, redução ao estado laical e apenas uma teve julgamento em tribunal civil.

Mas, para o psiquiatra Daniel Sampaio, membro da Comissão deste estudo, os abusadores, sejam eles padres ou quaisquer outros, “têm de ser tratadas do ponto de vista psiquiátrico” porque, segundo ele, “existe um problema geral de abuso sexual, com 85% a 95% dos abusadores a serem do sexo masculino. Não basta um acompanhamento espiritual”!

Por outro lado, no contexto das vítimas, nenhum abuso sexual deixa uma criança indiferente, tal como nos adultos em que se tornam.

Sentimentos de culpa, medo, vergonha, nojo, desconfiança, revolta e solidão, para além de perturbações de ansiedade, de humor, depressivas, de sono e comportamentos auto-agressivos que conduzem a tentativas de suicídio, acompanham as vítimas durante toda a vida. Vida muitas vezes inviabilizada na construção das suas relações afetivas, em consequência das dúvidas sobre a sua orientação sexual efetiva, recorrendo muitas vezes a medicação psicofarmacológica.

Não é fácil para ninguém aceitar este tipo de abusos sobre crianças e muito menos que sejam praticadas por elementos do clero da Igreja Católica Romana. E a Igreja não se pode refugiar no facto de que estes abusos também acontecerem na nossa sociedade civil, porque a sua função pedagógica e os princípios morais de que se advoga, não podem nunca ser compatíveis com este tipo de comportamentos desviantes.

O que se passou e passa em Portugal onde (e depois de termos tomado conhecimento destes abusos) cerca de 100 padres acusados continuam nas suas funções eclesiásticas, não nos deixa descansados sobre que medidas a Igreja irá tomar na programada assembleia plenária extraordinária da CEP para analisar o relatório, a 3 de março próximo.

A Igreja deveria estar na vanguarda da divulgação dos bons costumes e não a reboque dos carreirismos eclesiásticos que a afastam da sua função principal, julgando que a divulgação destes escândalos é o seu principal inimigo. Eles são a nódoa do seu mau comportamento a precisarem de uma enérgica correção sob pena de, a não ser realizada, reduzirem drasticamente a fidelidade dos seus correligionários e, consequentemente, a sua autoridade moral!

Que deverá a Igreja Católica fazer? Compete-lhe a ela analisar as causas, embora (como já antes afirmei) o celibato obrigatório está na raiz da dimensão deste tipo problemas, na certeza, porém, de que, seja qual for a transformação a operar-se e porque somos cidadãos, antes de sermos religiosos, a Lei Canónica deve subordinar-se à Lei Penal!

Luis Barreira/MS

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