Luís Barreira

O caso dos polígamos afegãos!

Aqui há dias uma afirmação proferida por Ana Gomes, antiga diplomata e eurodeputada socialista, a propósito dos refugiados afegãos que Portugal está disposto a receber, deixou-me confuso e pensativo. Não sendo a primeira vez que as suas declarações me merecem críticas, pela forma despudorada e insensata como as faz (embora retenha o valor dos conteúdos de algumas das suas posições públicas), desta vez o alcance civilizacional para a sociedade portuguesa, sobre a receção e integração social de todos os refugiados afegãos e respetivas famílias que colaboraram com as forças portuguesas destacadas no Afeganistão, para além do nosso compromisso solidário para com todos aqueles homens e mulheres que se encontram em perigo iminente de vida, coloca-nos uma questão de fundo sobre o impacto que a aceitação total das propostas de Ana Gomes possam ter na sociedade portuguesa.

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Crédito: Flickr/Ellen Jaskov

Tudo isto a propósito do Governo português ter declarado que os eventuais refugiados polígamos que possamos receber, só poderiam trazer uma das mulheres para Portugal. Percebo e compreendo o alcance humanista das críticas de Ana Gomes ao Governo português, quando afirma: “…mas pensar que Portugal pode ter posto uma condicionalidade que impediu muitas das pessoas que estavam para vir, porque, obviamente essas pessoas não se vão separar das famílias e não vão discriminar as suas mulheres e os seus filhos, deixa-me indignada, deixa-me doente”.

De facto, para quem nasceu e viveu numa sociedade profundamente diferente da nossa e em que a poligamia é aceite, tal como muitos outros hábitos e tradições culturais dificilmente aceitáveis para a sociedade portuguesa, terá grandes dificuldades em adaptar-se às nossas regras sociais e, entre outras, sacrificar os seus interesses familiares, abdicando de parte das suas esposas legítimas no Afeganistão. Não tenho dúvidas sobre a desumanidade e o constrangimento sentimental que isso implica àqueles que, nessas circunstâncias, querem vir para Portugal mantendo o estatuto de todas as suas mulheres.

Mas a admissão desses afegãos polígamos no nosso país na situação antes descrita e na perspetiva de que sejam integrados e mais tarde naturalizados portugueses, mantendo todas as suas características culturais e familiares de que disfrutam atualmente, suscita um problema contraditório na sociedade portuguesa que penaliza social e juridicamente a prática da poligamia, para além da submissão da mulher aos interesses do homem. Como reagiria a sociedade portuguesa? Aceitaria a alteração dos nossos pressupostos sociais ou saberia coexistir legalmente com dois modelos sociais distintos?

Embora tenha a minha própria opinião sobre as diferenças sociais, políticas e culturais entre as sociedades muçulmanas, como a afegã e as ocidentais, no contexto da evolução da humanidade, não me vou envolver na discussão sobre o assunto, até porque, numas e noutras, há sempre algo a condenar. No entanto, e referindo-me apenas ao assunto da recetividade dos refugiados polígamos afegãos em Portugal, há questões que desafiam a consistência dos meus princípios universais.

Sempre defendi e aceitei que quando alguém pretende emigrar e integrar-se num país estrangeiro deve submeter-se às leis e preceitos sociais da sociedade de acolhimento, mesmo que algumas dessas disposições possam ser incompatíveis com as normas sociais que tinham na sociedade de origem. Simbolicamente e em circunstâncias muito diferentes do caso que hoje aqui tratamos, eu próprio fui emigrante durante cerca de duas dezenas de anos e, pese embora o meu país de acolhimento tenha sido um país europeu, com regras fundamentadas na civilização judaico-cristã, nem todos os aspetos da vida social e cultural autóctone eram semelhantes aos do meu país, embora não inconformes com os princípios que deveriam nortear a minha readaptação. Por isso aceitei-os!

No caso particular dos refugiados afegãos polígamos que querem vir para Portugal mantendo as suas esposas, estarão eles dispostos a aceitar uma profunda alteração dos seus hábitos sociais e culturais? Ou requerem que alteremos os nossos? Reconheço o peso religioso que as sociedades islâmicas inserem na atitude comportamental dos seus crentes e reconheço igualmente os esforços das sociedades ocidentais em integrar esses milhares de cidadãos que nos procuram, fugindo às guerras e à miséria.

Reconheço igualmente que muita da triste situação histórica em que se encontram esses povos foi provocada pela imposição de interesses ocidentais nas suas próprias regiões, sejam económicos ou incrementados por alguns “senhores da guerra”, que se escondem por detrás de alguns governos ocidentais, na procura da supremacia global.

Mas os valores civilizacionalmente distintos, de que gozam as populações ocidentais e o humanismo que revelam no acolhimento aos que nos procuram, não podem ser adulterados pela abdicação dos mesmos, aceitando todas as regras estranhas a esses mesmos princípios que nos caraterizam e muito menos usando a imposição belicista, em consequência dos seus prejuízos sofridos, como pretendem alguns radicais islâmicos.

Em síntese concluo que, seja por obrigações morais para com todos os afegãos que nos auxiliaram no seu país, seja pelo dever humano em salvar as vidas de gente em perigo, devemos aceitar os afegãos e as afegãs que queiram vir para Portugal, sejam elas o que forem para os polígamos afegãos. No entanto, aqui em Portugal, apenas deverão registar-se casados com uma única mulher!

Se a preocupação de Ana Gomes é puramente humanitária, penso que esta solução pode ser consensual e não nos desvirtua.

Luis Barreira/MS

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