Aida Batista

Unidas por um nome

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DR.

Nascemos, dão-nos um nome, sem sermos vistos nem achados na sua escolha. Depressa respondemos por ele, num acto reflexo de quem se habituou a ser nomeado.

Conheci uns quantos casos de quem fora registado com um nome, mas acudia por outro. Tal situação resultava da disputa entre pais e padrinhos, num tempo em que, por tradição, cabia aos padrinhos a escolha do nome. Por vezes, acontecia vencer a vontade dos padrinhos à revelia da dos pais. E a contenda resolvia-se assim: registava-se a escolha dos padrinhos, mas dava-se voz à vontade dos pais. Descobria-se mais tarde, numa cédula de nascimento, um nome que nunca havia sido usado.

Os nomes, como tantas outras coisas da vida, estão sujeitos a influências e modas. Na minha geração, o nome Maria, utilizado isoladamente, estava demasiado conotado com as empregadas domésticas. Era mesmo sinónimo de baixa posição na escala social. Havia até um folhetim radiofónico “Simplesmente Maria”, que retratava a paixão de um filho da alta burguesia por uma criada de seu nome “Maria”. O advérbio “simplesmente” definia o preconceito de uma época que remetia todas as Marias para o território da pobreza. Assim, Maria apenas ganhava existência de nome à sombra de outro, sem, contudo, ter direito a nomeação. As pautas das turmas do meu tempo de colégio e de liceu estavam enxameadas de Marias, mas não me recordo de nenhuma colega que respondesse por esse nome, a não ser as que se chamavam “Ana Maria”. E aqui Maria faz-me lembrar o zero em matemática. Só tem algum valor se estiver à direita de outro número.

“Chamaste duas vezes. Ou três. E sempre tão baixinho. Mas nenhuma foi pelo meu nome”. – Maria do Rosário Pedreira, in Poesia Reunida.

Eu pertenço ao grupo das que carrega uma Maria muda desde o baptismo. Existe apenas na forma escrita, porque Aida foi sempre o único chamamento a que respondi e com que sempre me identifiquei. Não tive outras colegas com o mesmo nome e, já no exercício das minhas funções docentes, também não tive nenhuma aluna com o meu nome. Cresci, portanto, na convicção de que tinha um nome raro. Soube, muito mais tarde, que Aida era de origem árabe e fora imortalizado em ópera composta por Verdi. No entanto, em Portugal nunca ninguém fizera a associação do meu nome ao belo canto. Quando fui para Finlândia, país de forte tradição e cultura musical, perguntavam-me se a minha mãe era amante de ópera. Nada sabiam da sua origem humilde, nem de como alegrava os dias trauteando músicas que não ousavam reivindicar outra paternidade que não fosse o tradicional folclore das mulheres da beira, modinhas com que se adormeciam as crianças lá de casa.

Um dia perguntei a minha mãe por que me escolhera este nome. Respondeu-me que tinha sido a forma de homenagear uma grande amiga que, ainda jovem, morrera de tuberculose. A partir desse dia, compreendi que as memórias da amizade se perpetuam através dos nomes que outros carregam para toda a vida. Basta chamá-los para manter viva a presença dos que amamos.  Como diria Amin Maalouf, “A única coisa que nos une uns aos outros, para além das gerações, para além dos mares, para além da Babel das línguas, será o ruído de um nome”.

Nunca soube a que família pertencia essa amiga, e hoje penitencio-me por não ter levado a minha curiosidade um pouco mais longe. Numa troca informal de mensagens electrónicas, foi-me fornecida uma pista, que aponta para uma família da Granja do Tedo, sem que nunca tivesse chegado a fazer esta viagem às origens do meu nome. Quando chegar o dia da viagem final, não poderei devolvê-lo intacto e digno a quem mo emprestou, e assegurar-lhe que soube honrar o propósito com que minha mãe mo ofereceu.

Unidas

 

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