Um prémio de consolação
O que perdemos com o envelhecimento?
Perdemos tempo, é a primeira coisa que
perdemos.Manuel Sobrinho Simões (patologista)
A última edição deste jornal foi dedicada ao “Envelhecimento” e o tema não poderia ser mais atual. Os avanços da medicina, conjugados com a melhoria da qualidade de vida, têm-nos permitido viver muitos mais anos. Portugal é bem um exemplo disso, já que é considerado um dos países com a população mais envelhecida da Europa. Se, por um lado, é motivo para nos orgulharmos – sabemos cuidar dos nossos velhos -, por outro, tem criado um forte desequilíbrio na pirâmide demográfica, já que a baixa taxa de natalidade não tem permitido a renovação da nossa população. E se, presentemente, o número de nascimentos tem aumentado, tal facto fica apenas a dever-se a esta nova onda imigratória, composta por grupos étnicos que privilegiam as famílias numerosas.
O envelhecimento, nos dias que correm, não pode ser visto da mesma forma que foi no passado. A tónica é agora posta no envelhecimento ativo, ou seja, fazer com que à medida que a idade vai avançando, as pessoas não desistam das suas vidas, pelo contrário, que possam continuar a dedicar-se a atividades que as mantenham intelectual e fisicamente ativas.
Nesse sentido, Portugal, contrariando o velho aforismo de que “burro velho não aprende línguas”, criou e fomentou por todos os concelhos do país uma rede de Universidades Seniores. Estas são um espaço não só de aprendizagens, mas também de troca de saberes, de convívio, de visitas de estudo (dentro e fora do país) permitindo que se faça numa fase mais tardia da vida aquilo que não se pôde fazer quando a azáfama dos quotidianos não deixou concretizar, preenchendo-se assim o vazio dos dias.
Na obra de Saramago, Memorial do Convento, há um diálogo entre D. Maria Ana Josefa (mulher do nosso rei D. João V) e sua filha, em que esta lhe pergunta: “Oh, minha mãe, que é nascer?” A resposta não poderia ser mais sábia: “Nascer é morrer, Maria Bárbara. Assim é, minha filha, e quanto mais se for prolongando a tua vida, melhor verás que o mundo é como uma grande sombra que vai passando para dentro do nosso coração, por isso o mundo se torna vazio e o coração não resiste.”
A rainha nada sabia de ciência, mas não esteve longe do que nos diz o nosso grande patologista Manuel Sobrinho Simões: “Desde o primeiro dia, há vida e há morte, há triliões de células que morrem todos os dias em nós.” É por isso que, à medida que envelhecemos, e para enganar a velhice, temos esta urgência de viver o tempo que nos resta ocupando-o (e falo por mim) tanto quanto possível com os mais diversos compromissos, ao ponto de nos esquecermos de viver. Mais urgente do que viver a ocupar o tempo, será ocupar o tempo a viver, porque diariamente somos confrontados com perdas: umas previsíveis, outras absolutamente inesperadas. Sem darmos conta, olhamos para os contactos das nossas agendas e rapidamente percebemos que muitos nomes são já lápides na nossa memória.
A angústia da proximidade da morte começa a assustar-nos, bem como a sensação de que o nosso lugar na lista de espera vai avançando a uma velocidade que não podemos abrandar, nem muito menos travá-la. Esta é a única fila em que, seguramente, não nos importaríamos de dar a vez a outro, nem haveria qualquer discussão quando nos sentíssemos ultrapassados por alguém mais afoito. Também não se imaginam gestos de simpatia, como: “Faça favor, estava primeiro!” e ainda menos sentido faria usar a famosa expressão “Ladies, first!”
Na realidade, no caso da fila para a morte, as estatísticas demonstram que não há respeito pela cortesia já que os homens nos passam à frente – há mais viúvas do que viúvos.
Um pequeno prémio de consolação com que a natureza nos compensa.
Aida Batista/MS
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