Aida Batista

Um par de brincos

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Créditos: Christopher Campbell

Uma amiga minha tem uma neta que celebra o seu aniversário no mesmo dia em que seria celebrado o do meu pai – no passado 3 de dezembro. Por isso lhe digo que, entre os quatro netos que tem, esta, pela coincidência, será a única cuja data nunca esqueço. Este ano completou a sua primeira década de vida, e uma das prendas que pediu foi ter as orelhas furadas. Terminada a puberdade e a entrar na pré-adolescência, é natural que olhe para as outras amigas com brincos, e sinta pena de não os poder usar, tanto mais que a avó é uma admiradora desta peça de joalheria. Como nós, mulheres, habitualmente dizemos: o brilho colorido de um batom nos lábios e um par de brincos dão mais alegria a qualquer rosto. E foi esse rosto sorridente que vimos numa fotografia que a avó nos enviou, após a neta ter sido sujeita à picadela da agulha, que lhe permite agora tirar partido do desejo que alimentava.

Compreendo todas as mães que, à nascença, não sujeitam as suas filhas a este ritual.  Eu fui uma delas, e tomei a mesma decisão logo que a minha filha nasceu.   Uns anos antes, e por circunstâncias vertidas numa crónica já publicada em livro, a minha mãe teve a minha quarta irmã em casa, sem qualquer tipo de assistência. Fui eu quem lhe cortou e atou o cordão umbilical, até que minha avó materna chegasse. Já limpa e vestida, a avó Dores colocou-a no berço e, com uma agulha de costura em que enfiara uma linha grossa, pegou na parte inferior do lóbulo da orelha direita, espetou a agulha e deu um nó na linha que, em argola, funcionou como primeiro brinco. Fui apanhada de surpresa, pois não imaginava que minha avó o soubesse fazer. Quando pegou no outro lóbulo, fechei os olhos e assim me mantive numa escuridão de arrepios.

Minha irmã mal gemeu, e minha avó explicou-me que o furo se fazia na parte “mais molinha” da orelha e que não doía. Aceitei a explicação, já que confiava na minha avó que, por se chamar Dores, as guardava todas para ela. No entanto, naquele momento, prometi a mim mesma que, se um dia tivesse uma filha, nunca a faria passar por tal cerimonial. E cumpri. Minha filha cresceu sem furos e brincos, e nunca se mostrou interessada em tal acessório. Na adolescência, passou  a usar pulseiras, anéis e fios, mas os brincos não lhe fizeram falta.

Há cerca de uma meia dúzia de anos, começou a pensar que talvez lhe dessem um ar mais produzido, de cada vez que se arranjava.  E foi a uma dessas casas de aspeto assético, onde especialistas colocam tatuagens, piercings e fazem furos nas orelhas. As tecnologias evoluíram, e o processo de pistola (semelhante ao do das canetas para diabéticos) faz um trabalho rápido e sem dor.

Fora uma decisão pensada e, após o ter feito, sentiu-se feliz por poder vir a usar brincos. A verdade é que nem tudo correu bem: uma das orelhas infetou o que provocou pequenas feridas que, no processo de cicatrização, voltaram  a fechar o buraco. Assunto arrumado! Não fez mais nenhuma tentativa e resignou-se a viver de orelhas despidas de adereços, como até então sempre vivera. Tem como alternativa os brincos de molas, mas, esses, devido à forte pressão que exercem criam algum incómodo.

Depois desta experiência, nunca a veremos replicar um daqueles gestos tão repetidos em cenas de filmes, séries ou novelas – retirar o brinco antes de atender o telefone. Outra consequência é que, entrados em dezembro, época em que fazemos (ou já fizemos) a lista dos presentes a oferecer aos mais próximos, tenho  a certeza de que “um par de brincos” nunca constará da minha lista.

Aida Batista/MS

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