Aida Batista

Ser ou não ser de um lugar

MS

sou deste lugar / como as árvores / e as casas.

Adília Lopes

Em Portugal, nunca se falou tanto em imigração como agora, e não tem sido pelas melhores razões. É sabido que, através dos recentes fluxos migratórios, Portugal tem conseguido rejuvenescer a sua demografia, porque o aumento da natalidade se tem ficado a dever essencialmente às mães imigrantes. É sabido que é através do contributo dos descontos da massa salarial imigrante que temos conseguido equilibrar a nossa segurança social.

É sabido que tem sido através da mão de obra imigrante que certos setores da nossa economia conseguem sobreviver.

Se estes três elementos são, por si só, indicadores positivos, a pergunta que se coloca é: “Porquê, então, esta onda de má vontade, em alguns casos a roçar o ódio e a violência verbal? Ouvida a opinião de algumas pessoas, em inquéritos de rua, a resposta mais ouvida é: “Não somos contra a imigração, somos contra a imigração ilegal” ou “Queremos uma imigração controlada, em vez de uma política de portas escancaradas.” 

Não tenho dados que me permitam afirmar que escancarámos as portas à imigração, mas adivinho que, em determinada altura, os fluxos migratórios tenham ultrapassado aquilo de que o país estaria à espera. Em muito pouco tempo, Portugal, estruturalmente um país de emigrantes, viu-se confrontado com uma onda imigratória que não conseguiu suster, nem absorvê-la sem os eventuais atropelos aos seus direitos fundamentais. É um facto! Outra coisa é vermos o discurso político de vários quadrantes associar a imigração à criminalidade e insegurança, quando está comprovado que tal associação se baseia em perceções e não em dados concretos. 

Quem nos estiver a ver e ouvir de fora, quando ligar a televisão, poderá, face a certas notícias, pensar que nos tornámos, de um momento para o outro, num dos países mais inseguros da Europa; e que temos na cidade de Lisboa uma rua à volta da qual seria necessário erguer um cordão sanitário, por termos a nossa vida em risco quando por lá circulamos. Refiro-me, como já deverá ser óbvio para todos, à rua do Benformoso que, para além de capa de revista, está a ser alvo de documentários em canais televisivos.

Porquê esta rua e não qualquer outra? Porque aí está concentrada uma comunidade oriunda maioritariamente do Bangladesh, Índia, Nepal e Paquistão, ao ponto de haver já quem a designe por “Banglatown.” O problema não está no berço de origem dos residentes, mas na forma como os vemos. É o nosso olhar que os aprisiona nas suas pertenças, traduzidas no linguajar incompreensível, no aspeto fisionómico, na cor da pele, na roupa que vestem, no que comem e na forma como o fazem, no odor das especiarias, nas crenças religiosas. Em suma: são uma cultura diferente da nossa. A rua do Benformoso só constitui um perigo (segundo a corrente que assim a define), porque é uma mancha escura que destoa no tecido urbano da cidade de Lisboa como uma nódoa que é preciso limpar.

O que se passa com estes imigrantes não é nada de novo em qualquer contexto migratório. É o que todos fazem, portugueses incluídos, quando se fixam nos países de acolhimento. Juntam-se aos familiares, aos amigos e aos conhecidos. A argamassa que os une começa sempre por ser o aconchego da língua, dos hábitos, dos costumes e das redes de vizinhança traduzidas em toponímias de proximidade. Foi também assim que nós, portugueses, fizemos nascer os “bidonvilles” em França e os “Little Portugal” das américas de cima e de baixo. 

Sempre foi assim, e assim continuará a ser porque, definindo-nos nós como seres gregários por natureza, necessitamos das correntes de afetos que nos aproximam, até chegar o dia em que nos sintamos dum lugar “como as árvores”, por mais distantes que estejam as nossas raízes.

Aida Batista/MS

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