Aida Batista

Sem saber dizer “dispididan”

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Tal como nas receitas, também há muitas formas de dizer adeus. Apesar de tantas vezes o ter dito, continuo sem dominar a forma mais adequada para fazer mais uma despedida. Os poetas continuam a descrevê-las, doseando-as de palavras amargas ou doces, conforme o poema com que as retratam. Depois de os lermos, mantemos a ignorância de não saber como acenar nos cais das partidas, de costas voltadas para o que não se deixa, porque parte connosco na bagagem que não ocupa espaço, nem é sujeita a qualquer controlo alfandegário. À chegada, seguimos pelo corredor da saída “Nada a declarar” porque, sem peso nem volume, vai tatuada no corpo das sensações não reconhecidas pelos detetores instalados.

A pandemia interrompeu estes ciclos de partidas e chegadas, mas, lentamente, vamos retomando as viagens: umas já planeadas, outras, fruto de circunstâncias que dantes não faziam parte das nossas vidas. E é nestas, em que me estreio, que a hora do adeus é diferente: por ter sido a primeira; por ter sido breve, apesar de intenso, o convívio; porque quando se começa a saber lidar com os códigos da amizade ainda a fazer-se raiz, é chegada a hora de partir. E há um abraço, e outro e mais outro, tantos quantos os elos das correntes que se foram formando. Nessa altura, notamos que não nos dizem adeus, mas o substituem por um “vai voltar”, “até à próxima” e mesmo “até breve” que é quase como um “até amanhã” ou a certeza de um regresso.

Não podemos adivinhar o que o futuro nos reserva, mas sabe bem ouvir. Soa a carinho, a satisfação de um dever cumprido, a vontade de me verem de volta para continuar um trabalho, que dizem: “foi curto e ficou a meio”. Não há meio nem fim, apenas início, porque o universo da língua é infindável. Por mais longa que seja uma missão, nunca conseguirá contemplar todas as nuances e variedades a que todos, sem o saberem, lhe estão a dar forma, corpo e alma.

A minha língua, de onde se vê o mar, como nos disse Vergílio Ferreira, não se ficou quieta a contemplar o horizonte. Galgou as ondas da consoante inicial para, numa coreografia de viagens, dançar com outras ao som da crioulização, que foi harmonizando a inacabada interpretação final. Talvez por isso, o “ão”, cuja paternidade é reivindicada apenas pelo português, tenha deixado de ser tão agressivo, por difícil de pronunciar por estranhos, e passado a dizer-se “on” que dá mais ternura ao “corason” e, nos pregões dos mercados, se tornou mais apelativo quando se ouve “promoson, promoson”. Não sei se vende mais, mas sente-se que é bem mais familiar do que “promoção, promoção”!

Há uma língua e um mar que nos une, mas foi esse mesmo mar que deu origem a todas estas novas sonoridades que, libertas dos padrões e das fronteiras gramaticais, se soltaram do ventre materno para ganharem uma vida que cresceu entre outros cheiros, sons e sabores, guardando na memória a matriz inicial. Passadas as dores do parto e, porque apesar de seres científicos, somos, acima de tudo, seres narrativos, de bom grado aceitamos estas liberdades próprias do crescimento, incorporando-as no nosso legado comum.

Solta dos espartilhos europeus, sentiu-se livre para se embrenhar por outros caminhos a que chamou seus. Reconhece, no entanto, que para se afirmar nos aerópagos internacionais terá de regressar às origens, embora, na intimidade da casa materna, seja na sua que melhor sabe amar, chorar ou sonhar, já que o universo das emoções se bebe no leito, no leite e no colo de nossas mães.

É no meio desta trama que, nós professores voluntários, ensarilhamos os fios da memória e da história, tateando o equilíbrio entre o hoje e o amanhã, sem sabermos dizer adeus.

Aida Batista/MS

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