Aida Batista

Regresso dos pássaros migratórios

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Num voo direto o pássaro
volta procurando um teto.
Eugénia Tabosa

 

Na minha caixa de correio eletrónico, entram-me diariamente as mais variadas iniciativas de natureza cultural, que vão das de caráter essencialmente desportivo e popular às mais eruditas. Umas, a decorrer em diferentes capitais de distrito, outras, em diversas povoações espalhadas pelo interior do país. A estas, acrescento ainda inúmeros convites privados, ligados ao convívio social, que nem sempre posso recusar.

Algumas, apago-as de imediato, porque, devido à distância que delas me separa, se torna completamente impossível estar presente. Outras, deixo-as nos pendentes, porque poderá sempre haver uma hipótese de, em cima da hora, me decidir por ir.

Pasma-me ver a quantidade de espetáculos de elevada categoria musical, festivais de teatro com atores de excelência, exposições dos mais conceituados artistas, instalações cuja temática, só por si, garantem a chancela da qualidade e tantas outras manifestações de artes performativas. É como se, de repente, saltassem do casulo onde, aparentemente, viveram todo o ano, sem que ninguém desse por isso. A adesão com que são recebidas, e a participação a atingir números com vários dígitos, atestam bem que, após dois anos de pandemia, toda a gente estava desejosa de regressar a um presente sem restrições.

Há uns anos, e não são assim tão recuados, as pequenas aldeias do país ao máximo que poderiam aspirar seria a atuação de um conjunto (de duvidosa qualidade) no período em que decorria a festa do santo ou da santa padroeira da terra. A junta de freguesia fazia questão de, durante dois ou três dias (dependia um pouco das datas em que os festejos calhavam), dar alguma alegria ao povoado que atraía gente dos outros mais próximos. Estes arraiais começavam em julho, como se este fosse já o aquecimento para o “querido mês de agosto”, aquele em que os emigrantes, saudosos das suas tradições, começam a chegar em catadupa, para darem vida às casas que, durante o resto do ano, viveram paredes meias com a ausência dos donos.

Estas festas, apesar de populares, continuam a ter uma faceta muito democrática e a atrair um público que atravessa todo o tecido social. As quentes noites de verão convidam-nos a sentar numa mesa disponível, para experimentarmos os habituais petiscos que as barraquinhas, com uma ou outra variante, nos oferecem.

Ao ar livre, e fora do conforto das nossas casas, o que encomendamos tem o sabor do improviso, do autenticamente genuíno e nosso, servido em pratos, copos e talheres de plástico, ao som alto da música popular à mistura com os refrãos dos vendedores, em que não falta a estafada frase “é pr’ó menino e pr’á menina! No final, a conta num pedaço de papel arrancado à toalha que cobria a mesa, manchada com as nódoas de gordura e tingidas do vinho que acaba sempre por pingar do gargalo do jarro.

Um arraial é isto, e nunca pode ser confundido com a formalidade das nossas refeições diárias, nem com uma ida a um requintado restaurante onde o empratamento, por si só, ganha foros de obra de arte. Refeição em casa, restaurante chique ou arraial popular, são três lados de um triângulo escaleno, cujo ângulo se escolhe segundo as datas e os dias do espírito da estação, a companhia do momento ou aquilo que se quer celebrar.

Eu, que me considero muito inclusiva, aprecio os três, e a cada um dou/empresto a importância devida às escolhas que faço. Por exemplo, uma boa sardinha assada, acamada numa fatia de pão de milho, ou um frango de churrasco, dispensam talheres e, com as pontas dos dedos a servir de pinça, sabem melhor neste ambiente de festa de rua.

O arraial é, por excelência, uma prática típica do verão, cultivado por todos nós, mas, essencialmente, pelos nossos pássaros migratórios que, de regresso ao chão pátrio, querem reviver os de outros tempos, mantidos vivos pela chama da memória onde arde a labareda de mais uma despedida.

 

Aida Batista/MS

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