Aida Batista

Os bidões da fome

 

 

Em Second Street, em Acushnet Avenue, em Water Stret, foi encontrar Cabo Verde reproduzido em minúsculo na terra americana.
Chiquinho, Baltasar Lopes

 

 

“Porque depois entra a gosto” é uma das frases brejeiras celebrizadas por Quim Barreiros, numa das suas canções que joga com trocadilhos, entre tantos outros em que a nossa língua é pródiga. Mas não é sobre esta canção que quero escrever, mas sobre o nosso querido mês de agosto, (também nome de filme de Miguel Gomes), que já entrou e, como a cada ano se repete, é o mês de encontros e reencontros, da chegada de tantos que, longe do seu chão, regressam em bandos guiados pelo voo da saudade.

Continua a existir um certo desdém (não vale a pena negá-lo), provocado por um misto de superioridade e alguma inveja à mistura, que nos leva a troçar de determinados comportamentos dos emigrantes, quer nos que se referem à língua contaminada pela dos países onde vivem, quer por hábitos que o tempo de permanência levou a interiorizar, e dos quais não é possível libertarem-se em meia dúzia de dias de férias.

Não sendo uma assídua utilizadora do FB, como plataforma de exposição de intimidades da minha vida privada, não nego que, por via das notificações que recebo no telemóvel, também sinto a humana curiosidade de ler certos “posts”. Este, pela forma como tenta desconstruir um conjunto de ideias feitas, não posso deixar de o partilhar convosco:
“Sou emigrante, sim, mas não sou dos que fala metade francês, metade português.

Os meus filhos não são daqueles que vêm e não percebem os avós, falam português, dizem merci, em vez de obrigado, mas há por aí muito adulto que nem obrigado, nem merci. Não uso um terço ao pescoço, não tenho uma tatuagem de Portugal, nem um autocolante no carro, ah e por falar em carro, eu sei conduzir, não estou o ano inteiro sem conduzir para vir cá em agosto dar-vos cabo do trânsito. Não passo o ano a poupar para me vir exibir nas férias, para fingir que 20 euros para mim não são 20 euros. Sou alguém que passa o ano longe da família, que passa o ano a sonhar com as férias, que vem a Portugal e come bacalhau, feijoada, bolo de arroz, pão de Deus…como se fosse o melhor manjar dos deuses, porque para nós é, sabe a casa. Sou dos que vai à praia e em cada onda vê as recordações de idas à praia constantes, quando agora são tão limitadas. Sou dos que chora quando chega e vê a família e chora ainda mais quando parte e vê a família a dizer adeus pelo retrovisor. Sou quem se despede dos avós e ouve sempre um: “para a próxima já não me vês meu querido.” E ralha com eles, mesmo sabendo que um dia vão ter razão. Sou dos que volta das férias ainda mais cansado do que chegou, tal é a vontade de ser o primeiro a acordar e a último a deitar para viver tudo ao máximo. Sou dos que todos os anos dizem que para o ano vão conhecer também outro país, mas quando chega a hora só querem relembrar Portugal. Sou o estrangeiro na Suíça e o estrangeiro em Portugal. Sou dos que sempre que vem, fica com o coração preenchido, e quando volta começa a contagem para as próximas férias. Por isso parem lá com as piadas dos Avec’s. Ser emigrante não tem assim tanta piada.”

Está tudo dito e, depois disto, poupo-vos alguns comentários jocosos que se seguiram.

Eu, que, em breve, contribuirei com um neto para engrossar os caminhos da emigração, direi o mesmo: “Ser emigrante não tem assim tanta piada”, por mais que lhe chamem a “nova emigração.”

Tal como escreve Paulo da Costa, poeta e também ele imigrante, por muito ilustrados que sejam, terão igualmente de lidar com a metáfora de aprender a transformar leite azedo em queijo fresco.

Aida Batista/MS

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