O limbo como fado
Nous nous sentions emprisonnées dans un pays étranger où l’environnement nous était complètement inconnu et où tout nous faisait peur.
Altina Ribeiro, in Le Fado Pour Seule Bagage
A 7ª edição da Festa do Livro, patrocinada pelo Presidente da República, realizou-se nos jardins do Palácio de Belém, de 5 a 8 de setembro, tendo este ano atingido uma afluência recorde, o que diz bem da importância desta iniciativa.
Tive o privilégio de, pela terceira vez participar neste certame, com a chancela da Alma Letra, que faz questão de, ao marcar a sua presença, diligenciar para que os seus autores tirem partido não só das sessões de autógrafos, mas também das múltiplas atividades que ocorrem, como foi o caso do debate sobre “Migrações”. Este é um tema que está cada vez mais na ordem do dia, dado que Portugal, um país que ao longo de séculos tem sofrido sangrias demográficas provocadas pela emigração, está agora confrontado com sucessivas vagas imigratórias.
A razão que motiva a mobilidade social, através dos tempos, é sempre a mesma – a busca de uma vida melhor, quando as condições a que o destino nos amarra tornam mais difícil ficar do que partir à aventura de realizar um sonho.
A história da emigração portuguesa facilmente contempla a frieza dos números, mas por trás destes vive gente anónima cujas vidas fazem parte de um coletivo sem rostos. Como nos diz Victor Pereira, professor auxiliar da Universidade de Pau et des Pays l’Adour, “[…] era necessário pagar passadores, subornar polícias ou guardas fiscais, estar integrado em cadeias migratórias: ter familiares, amigos, vizinhos, que, estando instalados no estrangeiro, fornecessem informações sobre o mercado de emprego local e sobre as rotas a seguir para chegar a bom porto”.
Por muito que se queira combater e controlar as entradas ilegais, ontem como hoje, essas redes invisíveis continuam a existir e estarão sempre presentes, enquanto houver a urgência de fugir da fome e da miséria.
Altina Ribeiro, imigrante em França, uma das autoras presente no debate, na sua obra “Le Fado Pour Seule Bagage” dá-nos conta de tudo isto, num registo autobiográfico muito detalhado. Em cerca de três dezenas de páginas, permite-nos conhecer a sua infância em S. Vicente, uma aldeia raiana de Trás-os-Montes, de onde partiu para, com a mãe, se juntar ao pai em Paris. Descreve-nos todas as ocupações a que se entregava uma população limitada pela sobrevivência, mas diariamente alimentada por vozes que apelavam à reinvenção de um futuro noutro lugar.
Seu pai foi um dos que se deixou seduzir por esse chamamento, munido apenas do “passaporte de coelho”, como se dizia dos que saíam ilegais “a salto”, sem documentos. Após anos de ausências, a mulher (sua mãe) confrontou-o com o ultimato do reagrupamento familiar, apesar de dificultado pelo regime que não via com bons olhos o ermamento de certas regiões do país.
Altina, numa autenticidade que nos comove e desconcerta, ao contar a sua história, dá voz a tantas outras mulheres que tiveram de se confrontar com o desconhecido, a adaptação aos diferentes espaços, uma língua estranha, o confronto de culturas, a adoção de novos códigos de conduta, até à integração numa outra cidadania, sem nunca esquecer as suas raízes. Ler Altina é perceber como estas duas geografias (física e emocional) interagem e se complementam para forjarem um híbrido paradigma identitário.
Apesar de se ter tornado numa mulher bem-sucedida, o seu testemunho não deixa de nos lembrar o drama maior de quem é imigrante: “Sorte estranha a dos imigrados que não serão nunca franceses em França, nem portugueses em Portugal. Uma raça à parte, um mundo à parte, gente suscetível de ser vítima de rejeição de ambos os lados.”
Sempre que leio este tipo de narrativas, concluo que a condição de imigrante obriga a carregar este fado de viver num “entre-lugar”, uma espécie de limbo que os priva de existirem por inteiro.
Aida Batista/MS
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