Aida Batista

O antes e o depois

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Estamos habituados a ver publicitar “o antes e o depois” da utilização dos mais variados produtos em diferentes áreas de consumo. Para nos tentarem convencer da eficácia da sua utilização, é manifestamente notório o confronto entre dois espaços temporais em que os resultados nos são apresentados de forma quase milagrosa. Tanto pode ser o detergente que rapidamente atua sobre a placa do fogão mais sujo e gorduroso, como a cinta que nos come quilos de gordura enquanto dormimos, ou o creme que, em menos de nada, passa a ferro a cara mais enrugada.

Sempre que sou confrontada com um destes blocos publicitários, desejaria muito que, no mínimo, uma daquelas tiradas persuasivas fosse mágica, pelo menos no que às limpezas diz respeito. Fico-me por estas porque, na minha idade, as rugas são já a marca natural da passagem do tempo que nenhuma baba de caracol consegue eliminar.

Lembrei-me disto porque estando nós na reta final deste mês de janeiro, confesso-vos que esperava poder escrever sobre o antes e o depois da pandemia. Quando, de forma responsável, conseguimos ultrapassar a primeira vaga; no verão, nos começámos a movimentar de forma mais solta, apesar de mantermos as três regras sanitárias impostas (lavagem e desinfeção das mãos, uso de máscara e prática do distanciamento social), havia interiorizado que o pior já tinha passado e que o slogan “vai ficar tudo bem” seria uma realidade.

Seguiu-se a segunda vaga, os números voltaram a subir, mas depois de termos atingido o pico em novembro, convenci-me novamente de que mais uma batalha estava ganha. Aproximou-se o Natal e o ano novo, e ergueram-se vozes a vaticinar que o pior estava para vir. E a profecia cumpriu-se!

Encontramo-nos a viver os momentos mais dramáticos de sempre, e o número de mortos diários equivale, como disse um médico, à queda de um avião por dia no nosso país. Assim que ouvi esta comparação, não a tomei como figura de estilo de mau gosto. Pelo contrário, de imediato me vi perante as imagens de catástrofe que um acidente desses provocaria. Imagino quantas horas de direto televisivo seriam relatadas, quantos testemunhos de familiares, amigos e conhecidos das vítimas teríamos a entrar-nos pela casa dentro. Imagino o desespero de quem tivesse de ouvir esta notícia repetir-se, dia após dia, durante uma semana e com um número cada vez maior de “passageiros”.

Mantendo a comparação, não responsabilizemos apenas o piloto, o pessoal de cabine e a torre de controlo. Sejamos todos responsáveis e cumpramos as regras que nos são pedidas. Percebamos de uma vez por todas que, exceções são exceções e, por isso, assim se chamam. Condenemos o chico-espertismo que faz de uma fresta da lei uma porta escancarada à transgressão, a exigir a intervenção das forças da autoridade e a multa pesada para travar o interdito. Algum tique nos deve ter ficado do período da ditadura, porque continuamos a precisar de ouvir estalar o som do “chicote” no lombo e no bolso.

Devido ao nosso (mau) comportamento, estamos como estamos. Por isso, não venham também os partidos políticos engrossar o clamor do laxismo no Natal. Alguns votaram contra o confinamento, e de outros não se ouviu uma voz dissonante contra a circulação. Se ao nosso desleixo juntarmos as mutações do vírus e as novas estirpes, temos a tempestade perfeita para que, nos próximos dias, os números não parem de crescer. Números que deixaram de ter rosto, reduzidos ao anonimato de uma curva ascendente com que se apresenta a tragédia anunciada.

Confinada, e a cumprir religiosamente as regras, desespero pelo texto do “depois”, suspensa neste intervalo de espera pelo milagre de que a tragédia não passe a ser uma estatística.

As Quatro Estações-portugal-mileniostadium
DR.

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