Diálogos entre avós e netos
Eu não me afundo na amargura, pois tive uma avó que ensinou que chá de boldo também cura.
Djamila Ribeiro, in “Cartas para minha avó”
No próximo domingo, celebra-se o “Dia dos Avós” no Canadá. Na Casa do Alentejo será lançado o livro “Avós e Netos – uma viagem de afetos”. À semelhança dos anteriores, também este contempla o universo da imigração, já que esta gera particularidades específicas dos contextos migratórios. Sabemos da importância que os avós têm na vida dos netos, e a literatura sobre este tópico só vem comprovar que são eles os mais fiéis guardiães de um património imaterial que importa salvaguardar. Dado que o livro vai ser apresentado em Toronto, destaco os autores que, vivendo nesta cidade, deram o seu valioso contributo.
Manuela Marujo evidencia a sua preocupação logo no título “Perdida nas intenções”, dando-nos conta de como falhou o propósito de manter viva a língua das suas origens. “A necessidade de traduzir o que queremos transmitir, a falta de espontaneidade que se segue, tudo isso experienciam os avós como eu. Há mágoa e desilusão subtis, mas reais. Sentimentos de culpa e tristeza são comuns porque temos consciência da perda no relacionamento entre as duas gerações – avós e netos.” A mesma apreensão é manifestada por Bill Moniz, que numa carta à sua neta lhe diz: “Envio-te esta carta, que decerto irás ler quando tiveres um melhor conhecimento da língua portuguesa, para te falar sobretudo dos meus sentimentos no dia do teu nascimento.” Carmen Carvalho, após ter vivido uma longa experiência de 21 anos de avosidade, confessa: “Na questão da aprendizagem da língua materna, não me orgulho do resultado a longo prazo. (…) chegada a fase em que ele começou a falar, eu passei a usar o idioma predominante em nossa casa, o inglês, convicta de que, mais tarde, ele teria vontade própria de aprender. Hoje em dia reconheço o erro, pois a minha experiência como mãe já me tinha mostrado que a língua se transmite melhor através da sua prática diária, desde a infância e junto a quem se convive diariamente.” Madalena Balça levanta a questão do hibridismo refém da permeabilidade entre duas línguas: “vamos ao parque e depois vamos à “store” comprar um “toy””. Antes que digam alguma coisa… sim, tenho a missão de lhe falar em português, mas quando dou por mim estou a fazer o que tantas vezes estranhei e, porque não confessar, critiquei quando ouvia esta mistura de línguas. Compreendo hoje que (…) são maiores os benefícios do que os malefícios que podem ser encontrados nestas conversas amalgamadas.”
Além da língua, outras práticas, como as visitas regulares ao espaço berço, deixam antever que é também através delas que se estreitam os laços cumplicidade entre avós e netos, como testemunha Clara Abreu: “Sinto o teu amor por Portugal, a viva recordação com que ficaste da visita que lá fizeste. Essa visita deu-te ainda mais entusiasmo para participares nos desfiles do dia de Portugal em Toronto, e te interessares por tudo o que se liga ao verde-rubro daquele retângulo, lá tão longe.”
Mas a tónica não é posta apenas na língua e no torrão natal, mas também na gastronomia, nos jogos e nas brincadeiras de uma infância, como a de Domingos Marques, em que o corpo, aliado aos mais básicos materiais, servia de entretenimento: “Quem sabe, ainda iremos a tempo de eu te ensinar a jogar à bilharda e a saltar ao eixo! Poderemos até encontrar na Murtosa quem saiba ainda fazer papas de abóbora com açúcar…”.
Desiluda-se quem pensa que “avosidade” rima sempre com “felicidade” pois temos o testemunho de Manuel da Costa para o desmitificar, quando, em circunstâncias adversas, desaba o pilar que sustém a relação entre avós e netos como uma ponte de afetos.
Atentemos agora no olhar dos netos para com os seus avós. Ana Silva recorda uma atitude solidária, demasiado ousada para o tempo, da sua avó Mariana. “Quando eu tinha cerca de cinco anos, comecei a ter consciência do meu corpo. Já não queria correr nua na praia ou sem a parte de cima do biquíni. Sentia-me envergonhada e queria tapar o peito. A minha avó não gostava que eu me sentisse desconfortável comigo própria. O seu amor era tão forte que decidiu fazer «topless» também, para me mostrar que não devemos ter vergonha do nosso corpo.” Já Carl Cassell, nas suas opções profissionais, mantém viva a memória do seu avô jamaicano que tanto o marcou: “Dei o nome Harlem e Harlem Underground aos meus restaurantes em Toronto, em homenagem ao meu avô, que vivia no Harlem, e ao seu percurso como cozinheiro. A criação do The Black Star, a primeira casa de Toronto feita com um contentor, também lhe prestou homenagem.”
Depois desta apelativa amostra, de que está à espera? Rume à Casa do Alentejo e adquira o livro!
Aida Batista/MS
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