Aida Batista

Cumprir sonhos

 

missao - milenio stadium

 

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
António Gedeão

 

Cheguei de mansinho, pé ante pé, como quem anda de pantufas pelo silêncio da casa sem se fazer anunciar. Desta vez, foi assim a minha ida a Toronto – um segredo bem guardado e planeado com bastante antecedência. Mais do que uma vez, em conversas informais, corri o risco de o quebrar. Recordo algumas em que, inadvertidamente, comecei frases que caminhavam no sentido de levantar o véu, não fora o meu desvio atempado e oportuno, direcioná-las para outro assunto. Foi assim que, sob os mais diversos disfarces, consegui que ninguém chegasse a desconfiar de nada. Quão difícil é manter um segredo! Ao mínimo descuido, lá está ele à espreita de uma fração de segundos de distração.

Tinha de ser assim, pois seria a única forma de conseguir cumprir a lista que filhos e netos antecipadamente haviam preparado, tendo em conta que, nesta altura do ano, os dias são bem mais curtos. Eles sabiam das muitas amizades que eu fizera em Toronto e adivinhavam que choveriam solicitações e convites de muitos lados, ao ponto de poderem ver boicotado todo o programa planeado.

Descoberta a minha estadia, e por uma questão de fidelidade a amizades que me são caras, fui explicando a minha situação e apelei à compreensão daqueles com quem falava. A reação de alguns interlocutores foi ter achado estranho que tivéssemos escolhido esta altura do ano, com nevões e temperaturas muito baixas.
Pois o objetivo era exatamente esse: viver o contraste entre um clima ameno e temperado como o de Portugal, e o manto de neve que não só cobria o percurso do aeroporto até à cidade, mas ainda a frente das vivendas por onde íamos passando. Em época natalícia, as luzes da decoração encarregavam-se de iluminar fachadas, e os verdes dos jardins competiam entre si na beleza que cada proprietário queria transmitir; ir aos mercadinhos de natal, passando pelas diferentes barraquinhas para admirar a imaginação de quem, de forma artesanal, confeciona artesanato e produtos gastronómicos da quadra; deixar-se tentar por uma ou outra compra mais original; subir à “CN Tower” e deixar-se deslumbrar pela transparência do vidro circular que, de vários ângulos, dá uma ideia do tamanho da cidade; passar por entre as diferentes torres e perceber que o betão não esmaga porque, aqui e ali, se descobrem espaços com peças de arte ou murais a pedir o registo pelas câmaras dos telemóveis; apesar do frio, patinar a céu aberto na “Nathan Phillips Square”, iluminada pelo colorido dos arcos e das torres da Câmara Municipal; ao cair da tarde, apanhar o barco e ir até à “Ward’s Island” para, do lago, ver a cidade passar do lusco-fusco crepuscular ao brilho do anoitecer, refletido sobre a água do lago; voltar a ser criança e visitar a Wonderland para assistir à abertura do festival de luzes e, de seguida, se deixar seduzir pelas várias atividades perfomativas e entretenimentos; visitar Niagara para ver e ouvir a força da queda das cascatas, aguardando pela noite para as ver iluminadas de vermelho e branco, as cores da bandeira do Canadá; percorrer os vários pisos do ROM (Royal Ontário Museum), cujas exposições, pela variedade dos temas e peças expostas, satisfazem todos os gostos; percorrer certas ruas e espaços da cidade, onde é habitual ouvir falar português com sotaque ilhéu ou marcas lexicais vernáculas do Norte Continental, onde o palavrão não ofende e é dito de forma natural; deixar o ano velho e saudar o novo, sob o estralejar de uma frente de fogo de artifício lançado de barcos estrategicamente colocados no lago.

A lista não termina aqui. Servindo-me do texto do poeta António Gedeão – sempre que se sonha a lista pula e avança, e muito ficou por sonhar.

Aida Batista/MS

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