Conta-me mãe!

Conta-me histórias, mãe! Lendas infindas. De castelos erguidos nas colinas. Onde habitavam fadas e meninas. Brancas e loiras, sempre muito lindas
Emanuel Félix, Fantasia
Conta-me histórias, mãe! Não histórias em que há castelos erguidos nas colinas, onde habitam fadas e meninas, brancas e loiras, sempre muito lindas. Não, não me contes histórias que não conheceste, porque sobre o teu berço não sentiste o toque mágico de uma mão de fada que espalhasse estrelas no teu caminho. Não, não me fales de príncipes encantados, mas do teu enamoramento por meu pai, com quem, inicialmente, partilhaste uma modesta casinha de pedra iluminada pelo amor que vos fez andar de mãos dadas até ao fim.
Conta-me como foi a vossa primeira separação, quando ele partiu em busca de um futuro adiado, porque tanto o passado como o presente não correspondiam à medida dos seus sonhos. Conta-me como foi o vosso tão aguardado reencontro, levando tu pela mão duas filhas que ele mal conhecia. Conta-me como foi sair do círculo da única aldeia que tinhas como horizonte, dizer adeus a pai, mãe e irmãos e olhar pela primeira vez a imensidão azul do mar alto que, durante tantos dias, tiveste por companhia. Conta-me como foi trocar o certo pelo incerto, o conhecido pelo desconhecido e, menina ainda, descobrir uma terra estranha onde te tornaste mulher. Conta-me como foi teres perdido uma filha, a minha irmã Lizete, de quem guardo tão fugazes memórias. Diz-me por que nunca falavam dela? Não sabes a falta que me fez a vida inteira! Nem podias saber, porque também não te cheguei a dizer que todos os que depois dela vieram nunca preencheram esse espaço amputado da minha infância. Diz-me como aprendemos a manter secretos os segredos lacrados em sobrescritos de silêncios.
Conta-me como foi estares ao lado de tua mãe quando ela perdeu um filho, involuntariamente atropelado pelo próprio irmão. Diz-me como mãe, filha, irmã, numa trindade feminina, choraram lágrimas fundidas numa só perda.
Conta-me como pudeste dozes vezes teres sido mãe, sem nunca te ter ouvido um lamento, uma confissão de cansaço ou uma qualquer expressão de arrependimento de cada vez que carregavas uma nova vida dentro de ti. Conta-me como se multiplica um só colo por tantos braços estendidos a suplicá-lo. Como primogénita, fui a única que teve o privilégio de o gozar por inteiro, mas num tempo tão breve que logo teve de o repartir. Falta-me a memória desse colo, porque depressa me tornei também colo para tantas vezes substituir o teu. E do meu também nunca se ouviram histórias de encantar quando a realidade nos confrontava com um tempo alheio à fantasia das lendas.
Conta-me como foi o dia em que deixaste de poder chamar “mãe” à tua mãe depois de te teres despedido dela pela última vez. Conta-me como aprendeste a viver com a tua orfandade, quando eu, tantos anos depois, ainda não sei viver com a tua ausência. Conta-me, mãe, conta-me tudo quanto não tiveste tempo de me contar, porque as estrelas, que a tua fada madrinha não deixou na hora do teu nascimento, aguardavam pelo teu brilho no firmamento da nossa existência, onde um dia te irei fazer companhia
Não, não precisas de me contar. Já não sou menina, já vivi mais anos do que tu e o tempo ensinou-me a entender todos os silêncios que guardaste. Hoje, sou mãe também e sei como as mães escondem a sua reserva de intimidade num lugar que ninguém vê; como todas as mães, maquilhadoras de emoções, disfarçam o sofrimento atrás de uma canção de ninar ou de um sorriso sempre aberto ao nosso olhar.
“Quantas vezes as mães cantam com vontade de chorar”, diz-se, mas, com igual propriedade, também se chora de alegria, a alegria de podermos celebrar mais um Dia da Mãe.
Aida Batista/MS
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