Aida Batista

Cidadão de cartão

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Créditos: DR

Nas minhas crónicas, e por opção, raramente abordo temas de natureza política. Contudo, em plena campanha para as eleições autárquicas, que hoje termina, há sempre debates televisivos que, habitualmente, não vejo na íntegra, mas de cujas sínteses vou tomando conhecimento através dos telejornais, ficando a par dos destaques que cada canal entende dar das diferentes intervenções.

Foi assim que, no último debate dos candidatos à Câmara Municipal de Lisboa (em número de 12, nunca houve tantos!), um deles, a determinada altura, afirmou que em Portugal já havia muitos “cidadãos de cartão”. Descodificando, pretendia referir-se a todos aqueles que adquiriram a nacionalidade portuguesa, distinguindo-os, assim, dos “verdadeiros” portugueses. É óbvio que tal asserção deu origem a uma resposta inteligente e assertiva por parte de uma das candidatas de outra força política, que não deixou passar em branco este eufemismo para designar xenofobia, chamando a atenção para o facto de sermos todos portugueses, independentemente da origem que possa estar por trás da nacionalidade de cada um, já que Portugal precisa de todos.

Criada em Angola, ouvi muitas vezes a designação de “portugueses de primeira” e “portugueses de segunda”, para distinguir os brancos que haviam nascido na Metrópole e os naturais das colónias. Claro que, na convivência diária, tal diferença não se fazia sentir, mas, de vez em quando, muito subrepticiamente e em forma de insinuação, lá vinha ao de cima, num tom pejorativo, sempre que se pretendia afirmar a pureza das origens. Ultimamente, também vem ganhando algum destaque, por parte de uma força política, a classificação dos portugueses entre os que são “pessoas de bem” e os outros, desconhecendo eu a bitola pela qual se mede a “gente de bem” ou a fronteira que separa uns de outros.

Durante qualquer campanha, a disputa política pode levar a um tipo de argumentação sem sentido e a excessos de linguagem. Contudo, ao ouvir a expressão “cidadãos de cartão”, de imediato viajei até aos lugares das nossas diferentes diásporas, e pensei em toda uma geração hifenizada cujos pais adquiriram a nacionalidade do país de acolhimento que, segundo a opinião deste candidato, seriam igualmente “cidadãos de cartão”.

Não são eles cidadãos de direito como os naturais? Não contribuem da mesma forma para o enriquecimento do país onde vivem? Não pagam os seus impostos com os quais se faz a repartição dos benefícios em pé de igualdade? A aquisição de uma outra nacionalidade em nada os diminui perante os que são originários desse país.

Nestas alturas, sinto que, para além de um manifesto sentimento xenófobo, há também uma grande falta de preparação e conhecimento da realidade, em especial no que toca à nossa demografia. Portugal é já um dos países mais envelhecidos da Europa, que precisa urgentemente de alterar esta curva, sob pena de, num futuro próximo, ficarmos reduzidos a metade da população que temos, conforme previsão das últimas estatísticas.

Por isso, o contributo da imigração será a única forma de estancar a diminuição da população, numa tentativa de inverter o saldo negativo de que vertiginosamente nos aproximamos. Uma visão política sensata e realista aceitaria de bom grado “os cidadãos de cartão”, porque são estes que, num futuro próximo, hão-de gerar, como diz a canção dos Quinta do Bill, “Os Filhos da Nação” – jovens atentos, e acordados, à espera de um lugar difícil de encontrar.

Saibamos nós ser esse lugar de acolhimento, como foram todos aqueles que tornaram os portugueses em “cidadãos de cartão” – o cartão que lhes deu o direito de pertencer a um lugar, onde se sentem bem e, de livre vontade, escolheram como segunda pátria, sem nunca esquecerem as suas raízes.

AIda Batista/MS

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