Aida Batista

As Bicicletas de Toronto

 

A quem teve coragem de emigrar,
de partir e regressar,
de partir e nunca voltar,
de se repartir por mais de um lugar.
Aida Batista

 

Tem sido prática minha os livros levarem o título de uma das crónicas, como quem dá o nome a um filho nascido das palavras com que é escrito.

“Passaporte Inconformado”, o primeiro, foi fruto da minha primeira imersão numa forte comunidade portuguesa em Toronto, e a ela dedicada quando se perfaziam os 50 anos da chegada oficial dos portugueses ao Canadá. Independentemente do passaporte que cada um tenha (e até se pode ter mais do que um), a partir do momento em que se passa de emigrante a imigrante, uma simples vogal muda a relação de pertença aos lugares, criando um estado de tensão interior que, quase sempre, gera um certo inconformismo.

“Chão da Renúncia”, o segundo, resultou de um conjunto de crónicas escritas durante a minha missão em Benguela, cidade onde vivi, cresci, casei e tive filhos, e a que voltei 30 anos depois. É, por isso, o retrato de um conjunto de realidades específicas que, depois de vividas, mereciam ficar registadas, sob pena de se perderem com o tempo.

 

bicicletas de toronto - milenio stadium - aida batista

 

“As Bicicletas de Toronto” é o nome deste, porque, algum tempo depois de ter publicado uma crónica com o referido título, uma amiga enviou-me duas fotografias que deram origem à capa, e me fizeram refletir sobre o fenómeno da emigração, ao sentir que elas retratavam muitas das experiências que até então escutara.
Quem já viveu em países de fortes e repentinos nevões sabe bem que um espesso manto de neve cobre e encobre a paisagem que sob ela se esconde. À medida que esta se vai derretendo, começamos a descobrir os mais inusitados objetos que, durante algum tempo, tinham estado soterrados. Associei esta imagem à chegada de um emigrante que, ao partir para o desconhecido, nem sempre sabe o que vai encontrar. O deslumbramento inicial pode esconder realidades bem duras, que se vão diluindo à medida que este se começa a adaptar e a descobrir as mais variadas ferramentas que lhe permitirão a tão desejada, mas nem sempre conseguida, integração.

Comparando este período às estações do ano, diria que, passado o inverno do primeiro embate, se seguiria a floração das descobertas em plena primavera, que atinge o seu pleno no verão da integração. Chegados ao outono, a dança do cair da folha dá forma a um enorme ponto de interrogação, a curva descendente da vida que deixa em aberto a opção de ficar ou de partir, ou a indefinição de não saber que decisão tomar. Assim, há os que ficam para sempre, os que partem, e os que fazem, do tempo que lhes resta, paragens por vários apeadeiros, conforme o chamamento do chão em que nasceram, a família que deixaram ou o vaivém entre os vários cais dos mundos a que aportaram.

Esclarecido o título da obra, cumpre-me ainda confessar o quão difícil foi selecionar o conjunto de textos, considerando que mantenho uma colaboração semanal regular há mais de duas décadas. Durante esse longo período, percorri uma extensa variedade de temas, que tanto podiam abordar pequenas trivialidades do quotidiano da e/imigração, como homenagear figuras e efemérides da comunidade, sem deixar de evocar uma janela temporal marcada pela Covid-19 e, mais recentemente, pela Guerra da Ucrânia.

Também me desnudei de emoções e sentimentos mais íntimos, com a certeza de que quem me lê se sentiu retratado por ter vivido experiências semelhantes. Não sei se a seleção estará em consonância com o gosto dos leitores mais fiéis e, por isso, antecipadamente peço compreensão se, acaso, não fui ao encontro do que seriam as suas expectativas.

Seja qual for a avaliação, aqui os dou a ler com o mesmo gosto, alegria e prazer com que os escrevi, sabendo que adquirem especial significado no ano em que se celebram 70 anos da caminhada em que “ganhavam os calos de outro país” que os acolheu – o Canadá.

Aida Batista/MS

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