Aida Batista

Ainda há portas por abrir

Créditos: DR.

Era uma vez um país/ onde o pão era contado.

Ary dos Santos

Uma particularidade deste 25 de Abril é que, sendo celebrado esta sexta-feira, vai permitir o gozo de um fim de semana prolongado de verão, a menos que a meteorologia nos troque as voltas e impeça as praias de se encherem de gente cansada da chuva que tem feito jus ao ditado: “Em abril, águas mil”. Esperemos, no entanto, que tal não seja impedimento para que o seu 51º aniversário seja mais uma vez celebrado com a alegria que a data merece.

Há muito que se fazem ouvir vozes a sugerir um outro tipo de celebração, fugindo ao modelo formal do espaço da Assembleia da República, como tem sido prática corrente ao longo de todos estes anos. Independentemente de o modelo se manter ou não, as celebrações não vivem apenas desta cerimónia, mas de tantas outras manifestações que, de forma espontânea, percorrem o país de Norte a Sul, continuando a acreditar que este é o marco que nos separa da longa noite ditatorial em que, durante décadas, vivemos mergulhados.

Este ano, pela segunda vez e devido a compromissos assumidos, irei festejar o 25 de Abril no arquipélago dos Açores: o ano passado, em Ponta Delgada (Festa do Livro 2024) e, este ano, nas Lajes das Flores (Colóquios da Lusofonia, 23 a 27 de abril). 

Esteja eu onde estiver, o espírito de celebração é sempre o mesmo porque a conquista da liberdade está presente em todos os espaços onde houve quem tivesse a coragem de dizer “Não” a um país “arquipelado” em tantas ilhas esquecidas.

Só quem não tem memória pode ter saudades do período anterior ao 25 de Abril de 1974 e, convictamente, defender que dantes se vivia melhor. Não é preciso sequer ilustrar as diferenças com números ou dados estatísticos sobre educação, saúde, apoios sociais, habitação, transportes, lazer, vias de comunicação e tantos outros. Basta-nos olhar e sentir o quanto o país mudou em conforto e qualidade de vida (apesar de persistirem ainda muitas bolsas de pobreza), por mais que os populistas insistam em apodar os anos após revolução de sinónimo de corrupção. Como se antes tivéssemos vivido num país ideal “inteiro e limpo”!

A crise que presentemente vivemos não deve a sua paternidade ao 25 de Abril, nem a este pode ser imputada qualquer responsabilidade. Tudo confundir e dizer que não valeu a pena fazer a revolução é o mesmo que defender o regresso à ditadura, à repressão, aos presos políticos, às deportações e exílios forçados, aos tarrafais da morte lenta, às altas taxas de analfabetismo, ao elevado índice de mortalidade infantil, à educação para as elites, ao silêncio do pensamento e à clandestinidade das ideias. Em suma, ao “Portugal Amordaçado” de que nos falava Mário Soares.

Podemos hoje estar desiludidos, achar que seria possível ter feito mais e melhor, mas temos a liberdade de o poder dizer sem rodeios e em voz alta, gritando-o em manifestações de rua se for preciso, porque «as portas que Abril abriu», como disse o poeta Ary dos Santos, estão todas abertas à nossa indignação coletiva. Porém, não nos esqueçamos que Abril abriu muitas outras portas. A da responsabilidade foi uma delas e, essa, de forma conformada, continua muitas vezes fechada porque, ensimesmados no nosso comodismo, dá muito trabalho procurar a chave para a abrirmos. É um estado de resignação muito português em que, quando as coisas correm mal, nunca é por nossa culpa, mas de um terceiro que serve de bode expiatório. No caso concreto, o 25 de Abril, uma efeméride sem rosto, mas corporizada num povo que precisa de fazer ouvir a sua voz para se defender dos disfarçados totalitarismos que, insidiosamente, espreitam em cada esquina. A esses, sim, é urgente fechar portas.

Aida Batista/MS

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