A minha leitura de férias
"Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira." - Liev Tolstói
Mais um verão. Mais uma estação de férias. Mais um ano em que vários jornais e revistas nos aconselham títulos de obras para levar na bagagem. Estas listas são habitualmente fornecidas por destacados intelectuais da nossa praça – escritores, críticos literários ou figuras públicas, normalmente ligadas ao jornalismo e à política. E eu pasmo, ano após ano, interrogando-me como conseguem ler tanto!
Mais uma vez, olho para as sugestões por mera curiosidade, porque não leio em férias. O Expresso Curto, que diariamente recebo no meu telemóvel, dá-me logo pela manhã a síntese das notícias do dia. Se houver alguma novidade de última hora, recebo também a respetiva notificação. E isto basta-me porque, mesmo de férias, gosto de estar informada sobre o que de mais importante se passa no mundo.
Durante o voo, que foi curto, levei apenas uma revista para a ida e outra para a vinda, que nem cheguei a ler na totalidade, já que ainda sobrou um par de artigos tanto de uma como da outra. Afirmei que não leio em férias, mas não é bem assim, e de bom grado vos explico que leio… e muito!
A minha família nuclear (eu, filhos e netos) vivemos em Portugal, mas distribuídos por diferentes geografias. Pese embora o facto de o país ser pequeno, e de nos encontrarmos com relativa frequência, fazemos questão de, religiosamente, estarmos juntos uma semana nas férias de verão. E, nesses dias, apesar da diferença de idades, convivemos e fazemos atividades juntos todo o tempo. O programa do dia (normalmente definido na véspera) é quase sempre constituído por uma componente cultural e outra mais lúdica, a que não podem faltar as idas à praia.
Que leio eu durante este tempo? O prefácio da obra, escrito dias antes, introduz-nos para a enorme satisfação de estarmos juntos, preparando-nos para o prazer de iniciarmos uma narrativa em que todos somos personagens principais, seja qual for o papel que cada um vá desempenhar no desenvolvimento da ação. Registo os momentos de avanço e pausa, em que se transformam os nossos dias, tal como acontece em qualquer obra literária. Leio as descrições, traduzidas nos assombros de contemplação perante a paisagem, na novidade dos costumes e nos hábitos de que nos apropriamos, para nos sentirmos parte do lugar onde estamos. Interpreto os códigos e trocadilhos que, em diálogos de piada ou de crítica, são enigmas que só nós sabemos descodificar. Leio os pequenos desentendimentos (uns a puxar para um lado e outros para o outro) quando se trata de opinar sobre o programa a definir. Leio as argumentações dos dois lados, em que vence sempre a sensatez de deixar alguma margem de manobra – o plano B – não vá o tempo trocar-nos as voltas. Leio as gargalhadas perante o insólito e o inesperado, porque o pressuposto de pensarmos que, por sermos portugueses, somos todos iguais, não é verdade. Há peculiaridades que nos distinguem, e ainda bem, porque é a melhor forma de introduzir originalidade no miolo da narrativa. Leio a maturidade dos netos, na forma como controlam a condução (um piloto e outro co-piloto) das nossas vontades, gerindo o GPS de forma a chegarmos aos destinos em segurança. Leio a cumplicidade das três gerações, quando se trata de desafiar uma aventura nunca antes experimentada. Leio, acima de tudo, a felicidade que, vivida em grupo, não necessita de outros protagonistas, nem de figuras de estilo que sobrecarreguem as páginas que naqueles dias escrevemos.
Para Tolstoi, a nossa família não encaixaria em nenhum dos seus romances. Faltar-lhe-ia a pitada da desgraça, os rodilhos da intriga, o choque de personalidades ou o picante da traição conjugal para que desse uma boa história.
Esta, porém, é a nossa, e aquela que espero continuar a ler por mais alguns anos.
Aida Batista/MS
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