Aida Batista

À espera das bodas de vinho

bride in a light wedding dress with a bouquet next to the groom in a blue suit

Meu amor tem duas
vidas para amar-te.
Pablo Neruda

 

Após uma visita relâmpago, já fui e vim de Toronto, a cidade onde sempre me sinto em casa. Sentir-me em casa é ser acolhida entre abraços de amigos que me recebem a cada chegada e me acenam saudades à despedida. É reencontrar intactos os códigos da amizade, sempre fiéis a mais uma visita. É saber que se é desejado com a alegria repetida dos diálogos em sintonia. É identificar os cantos da amizade que permanecem sólidos apesar da distância que nos separa. É reconhecer que se é desejado no silêncio das ausências prolongadas, como se o último encontro tivesse sido ontem.

Desta vez, porém, foi diferente porque se tratou de uma visita muito especial – a celebração do amor que une dois amigos numa caminhada de 60 anos de conjugalidade, em que basta um simples olhar de cumplicidade para manter acesa a chama do dia primeiro em que se conheceram.

Trata-se do casal Frank e Dolores Alvarez que fizeram questão de me ter presente num momento irrepetível das suas vidas. Uma festa de partilha programada ao pormenor pela incansável filha Carmen que tudo faz para que esse dia 1º de novembro se tornasse único na memória dos celebrantes e de quantos estiveram presentes.
A festa a que pudemos assistir foi um acontecimento raro, como raros são os casais que se podem orgulhar de terem vivido seis décadas juntos, com a contabilidade de uma vida a poder ser avaliada pela coluna superavitária de compreensão e amor. De um amor de que nasceu o projeto maior dos seus sonhos – a construção de uma família alicerçada nos valores que cultivaram e souberam transmitir.

Os filhos que vieram preencher as suas vidas: Carmen e Frank. Já casados, deram-lhes quatro netos: Ryan e Brandon (por parte da Carmen e Bon) e Alegria e Amadeo (do Frank e Joy). Filhos e netos sentem-se irmanados pela consciência de pertencerem a um clã unido por princípios, que constituem o legado principal da herança de que todos se orgulham. Naquela noite festiva, Frank e Lola (como é carinhosamente tratada por todos) eram o invejável exemplo de como se constrói uma vida que é uma referência para todos nós.

Os comoventes testemunhos proferidos por amigos e familiares, eivados dos mais genuínos elogios, foram disso uma manifesta prova. Nada do que se ouviu soou a laudatório, artificial ou plástico. Muito pelo contrário, era a expressão sincera da mais viva admiração por uma união que alguns dos presentes (como me confessaram) gostariam de poder ter replicado, não fora o facto de circunstâncias adversas as terem interrompido.

Por muito que se diga que o amor vence todas as barreiras, na prática, nem sempre tal acontece, principalmente quando não se está armado de ferramentas que permitam enfrentar os obstáculos que se atravessam. Por isso, há que destacar e louvar as raras histórias de amor de que somos testemunhas.

Quando nasceram, Frank e Dolores pertenciam a geografias diferentes: ele, de “unha cidade” situada na verde Galiza; ela, da árida planície alentejana. Nada fazia prever que se viessem a conhecer, mas quis o destino que, ainda adolescentes, se tivessem cruzado em Lisboa, a cidade que foi cenário do enamoramento desde a primeira hora. Lado a lado, iniciaram a sua história de amor, daquelas, cujo final nos habituámos a ler e ouvir na nossa infância – casaram e foram felizes para sempre!

Frank e Lola, como cantou Chico Buarque “Foi bonita a festa”, mas ficamos todos à espera da celebração dos 70 anos – as designadas Bodas de Vinho -, em que, à semelhança do néctar dos deuses, o processo de envelhecimento elevará o sabor e a qualidade do amor que vos une.

Porque o vosso, como o de Pablo Neruda, ainda tem duas vidas para se amarem.

Aida Batista/MS

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