Adriana Marques

Imigrar é também aprender a lidar com a rejeição

imigrar - adriana marques - milenio stadium
Ilustração: Adriana Marques

 

 

Deixa eu te contar uma coisa sobre a imigração: ela é muito solitária. E digo isso, mesmo tendo ao meu lado um companheiro com quem compartilho essa aventura. Imagino que seja muito mais desafiador àqueles que se aventuram sozinhos. É uma empreitada solitária, principalmente quando a realizamos na fase adulta da vida. Particularmente, sinto que é muito mais difícil, nessa fase, estabelecer novas conexões que possibilitem criar uma rede de amigos sólida, com laços mais profundos.

Eu não sei o que acontece ao certo, mas suponho que, em nossos países de origem, essa rede é construída ao longo da vida, em sucessivas etapas que ocorrem da infância à juventude, de forma natural. E, ao iniciar uma nova vida em outro país, essa rede de apoio fica pra trás e precisa ser substituída de forma rápida e, portanto, não natural. Sem contar a limitação dessa rede, pois acabamos por buscar e fazer contato com a comunidade da nossa nacionalidade de origem e isso reduz o alcance de similaridades. Um outro aspecto que pode dificultar o estabelecimento dos novos vínculos, é o fato do imigrante correr contra o tempo, para buscar uma vida melhor. Quando você muda de país, é tudo do zero e ao mesmo tempo! Carreira, escola, moradia, finanças, adaptação, idioma, conhecer o mapa da cidade… imagina! Como dar conta de tudo isso e ainda se fazer presente na vida de outras pessoas? Vejo alguns que conseguem fazer isso com maestria, mas, infelizmente, não é a regra. No início, até coisas corriqueiras do dia a dia envolvem um grande desgaste de energia mental que torna tudo muito cansativo. Realmente, não é para qualquer um.

Por isso, muitas vezes, ficamos estressados e, consequentemente, as conexões ficam mais difíceis de acontecer. Antigamente, eu ficava muito frustrada e magoada quando não era chamada para eventos dentro do círculo de conhecidos em que estava inserida. É uma briga de forças: uma mistura de cansaço mental por ter que fazer novas conexões, com carência à flor da pele. A verdade é que nem sempre nos convidam. E essa é uma reclamação que ouço constantemente de outras pessoas, não é só minha. Isso me causava um sentimento de rejeição difícil de manejar. A boa notícia é que de tanto que isso vai acontecendo ao longo dessa trajetória, a gente acaba se acostumando e mudando a forma de encarar a situação. No fundo, não deixa de haver aí uma aceitação da realidade. Realidade essa que engloba todas as diferenças e dificuldades que permeiam o fato de você estar reconstruindo sua vida em outro país. E, como um camaleão, me adaptei ao cenário e passei a ser mais reclusa e introspectiva. Isso abriu um espaço na minha vida que possibilitou começar um novo relacionamento comigo mesma. Estar sozinha me levou a apreciar minha própria companhia. E, de quebra, desenvolvi mais a resiliência e serenidade.

Hoje em dia, eu me sinto muito bem cuidando de mim mesma, aproveitando momentos livres para refletir sobre a vida e sua profundidade, para lutar pelas coisas que eu quero com muito mais energia e foco, para cuidar da minha saúde e focar totalmente em mim. Acredito que seja muito comum a ideia de que temos que ser aceitos por todos e para isso movemos céus e terra pelos outros. Nessa luta constante por aceitação, nos esquecemos de nós mesmos e do nosso propósito, que muitas vezes, nos é desconhecido.

Nas minhas reflexões sobre a imigração (e são incontáveis aspectos), eu acredito que quem faz esta opção talvez esteja precisando fortalecer justamente isso: o cuidar de si mesmo, descobrir seu propósito de vida e se bastar. Não depender da aprovação da ninguém e não se importar com o julgamento alheio.

A solidão faz abrir um caminho fundamental em nossa existência e que eu insisto em escrever por aqui: o autoconhecimento.

Meu coração fala o seguinte: quem vier nessa caminhada comigo, que alegria! Quem não vier, siga em paz! Precisamos nos cercar de relações verdadeiras e não “tapa buraco”.

E, por último, aprendamos a transformar solidão em solitude. Acredite, é uma troca muito vantajosa!

Adriana Marques/MS

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