Opinião

A Justiça no banco dos réus!…

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Após uma aturada investigação, que se desenrola desde de 2016 e da qual na altura dei eco nesta mesma coluna de opinião, o Ministério Público (MP) português, com base em provas recolhidas na fase de inquérito, acusa 17 pessoas junto do Tribunal Superior de Justiça, entre os quais três juízes desembargadores da Relação, (sendo que um deles era presidente de um tribunal superior) de corrupção, por terem utilizado as suas funções “para obtenção de vantagens indevidas, para si ou para terceiros, que posteriormente dissimularam”.

Num processo inédito em Portugal, designado “Operação Lex”, o MP coloca a nu alguns podres do nosso sistema judicial, nomeadamente nas suas atividades ilícitas com algumas atividades empresariais do país. Estão neste caso, entre os 17 arguidos, Luís Filipe Vieira (presidente do Benfica), o conhecido ex-empresário do mundo do futebol, José Veiga, um funcionário judicial e o antigo presidente da Federação Portuguesa de Futebol, João Rodrigues.

Nesta acusação global, que acumula provas de prática dos crimes de corrupção passiva e ativa para ato ilícito, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, usurpação de funções, falsificação de documentos, fraude fiscal e branqueamento de capitais, estão fortemente envolvidos os juízes desembargadores Luís Vaz das Neves (ex-líder da Relação de Lisboa), Rui Rangel e Fátima Galante (entretanto afastados da magistratura), situação que tem produzido uma enorme curiosidade popular por este julgamento da nossa própria Justiça.

Em causa e em primeiro lugar está a credibilidade do nosso sistema de Justiça em múltiplas vertentes. Uma delas e já amplamente denunciada, está a desigualdade no acesso à Justiça, permitindo que os cidadãos sejam discriminados pelo poder financeiro que disponham para aceder a todos os recursos judiciais nos processos em que sejam envolvidos, contra todos aqueles que não possuam tais vantagens económicas. E porque, neste âmbito, pela morosidade processual da nossa Justiça e pelos muitos recursos jurídicos que são interpostos, muitos processos acabam por atingir a caducidade prevista na lei, ilibando os acusados de virem a ser condenados.

Se adicionarmos a isto a corrupção dos agentes responsáveis pela aplicação da Justiça e, nomeadamente, a dúvida instalada sobre a idoneidade dos seus mais altos dignatários, então a credibilidade do sistema apresentar-se-á infetada de contradições que colocam em causa a sua aceitação pela sociedade da qual faz parte, enquanto um dos pilares da nossa democracia, a par dos poderes legislativo e executivo.

Razão pela qual este julgamento é extremamente importante, não apenas porque o que está em causa é a manutenção de um reservatório de confiança para os cidadãos, muitas vezes entediados pela discussão política que envolve os restantes poderes, mas porque se pode tornar um veículo de promoção para toda a gama de oportunismos políticos que exploram as falhas dos sistemas democráticos, para poder vir a atingir os seus alicerces!

No caso concreto e porque “a procissão ainda vai no adro”, é cedo para concluir quaisquer condenações, mas pelo conteúdo explícito das acusações que pesam sobre estes juízes e alguns atores da nossa vida económica, não deixa de ser preocupante prever a ligação incestuosa entre alguns representantes da nossa vida económica e um órgão da nossa soberania, como é o caso do poder judicial.

Se a acusação vier a concluir-se pela condenação, para além das penas aplicadas aos arguidos, alguns aspetos curiosos vão resultar do epílogo deste processo, que dura já há cerca de quatro anos.

Assim, todas as sentenças antes proferidas por estes juízes, nos processos em que estiveram envolvidos, poderão ser postas em causa pelos julgados e anteriormente condenados, com base na desconfiança sobre a sua integridade, o que obrigará os tribunais a rever os processos que eles concluíram. Do mesmo modo, a questão se poderá colocar para os processos perdidos pelo MP e que foram julgados pelos referidos juízes.

Outra nota curiosa será reação dos milhares de adeptos benfiquistas, à condenação do presidente do seu clube, agora em vésperas de novas eleições no Benfica, sendo Vieira um dos candidatos. Será que o “clubismo” se sobrepõe à consciência cívica dos adeptos, absolvendo o eventual condenado e incriminando o sistema judicial que o condenou?

Ainda a propósito deste mediaticamente badalado processo e da inclusão (já retirada…) do nosso primeiro-ministro e do presidente da Câmara de Lisboa, na lista de honra de apoio da candidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica, decorrendo o processo que conduziu à acusação do candidato pelo MP, há algo a dizer.

Será que se tratou de mais um habitual “tiro no pé” destes dois políticos do PS, por vezes pouco atentos às repercussões das suas atitudes? Ou terá sido uma tentativa de capturar a simpatia de alguns milhares de votos dos benfiquistas para as próximas eleições presidenciais e autárquicas de 2021?

Sabemos que o futebol há muito que deixou de ser uma simples atividade desportiva, que agrupava os amantes desta prática por “amor à camisola” do seu clube, para se tornar uma área económica de relevo, que movimenta muitos milhões. Qualquer relação entre elementos dos poderes constituídos e o futebol, é susceptível de gerar controvérsias e interpretações, falsas ou verdadeiras, sobre o tipo de interesses comuns que se podem instalar, independentemente da liberdade de qualquer cidadão em apoiar o seu clube favorito.

Os detentores de cargos públicos, sejam juízes ou ministros, deveriam ser os primeiros a reconhecer tal evidência!

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