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Portugueses fecham-se em casa durante “caos absoluto” nas ruas de Maputo

JN/DR

Por entre manifestantes a atirar pedras e a incendiar pneus em avenidas, os portugueses que moram em Maputo refugiaram-se em casa para se protegerem da violência que corre nas ruas moçambicanas. No entanto, admitem que não se sentem “em perigo iminente” e não pensam em regressar ao país de origem, pelo menos para já.

Paula Marques, de 59 anos, mora com o marido na marginal de Maputo, uma “zona mais protegida”, segundo conta ao JN. Com mais força policial a rondar o centro da cidade, não se sentiram muito ameaçados pelos protestos que invadiram as ruas. No entanto, admitem que em zonas mais afastadas o cenário “será mais complicado”.

Testemunha disso mesmo é Carlos Silva, de 54 anos, que embora também more no centro da cidade, assitiu a alguns confrontos na rua em que vive e nos arredores. O “caos absoluto” impediu-o de sair de casa por questões de segurança, mas o português não teme o pior. Em conversa com o JN, explica que os protestos apenas impediram a rotina quotidiana esta quinta-feira e que, a partir de sexta-feira, a situação já deverá acalmar.

As interações mais violentas apenas chegam através de vídeos “que circularam na internet e nos canais de televisão moçambicanos”, nota o também português Alexandre Costa, de 57 anos, explicando que, durante quinta-feira, o “bom senso” ditou que não deveria sair de casa.

O mesmo se verificou no caso dos comerciantes que, de acordo com Carlos, não chegaram a abrir as lojas. “Sentiu-se um pouco” a falta de comida, admite o português, esclarecendo que tal não se devia à falta de stock, mas sim ao facto de os supermercados estarem fechados devido aos protestos. “Não houve nada aberto, (…) parecia uma cidade fantasma”, sustenta Alexandre.

Embora as superfícies comerciais tenham, por enquanto, produtos para vender, não se sabe o que o futuro trará, confessa Paula, referindo-se “aos bloqueios que fizeram nas estradas e mesmo nas fronteiras terrestres”, que podem prejudicar o normal funcionamento dos supermercados, dado que Moçambique “é um país que depende muito da mercadoria que vem da África do Sul”.

A onda de violência foi mais notória nos subúrbios de Maputo mas, ao final do dia de quinta-feira, conseguiu penetrar no centro da cidade e os manifestantes deixaram intransitáveis várias artérias centrais da capital. Dezenas de militares moçambicanos estiveram a limpar a destruição e a vandalização provocadas pelos protestos, que causaram três mortos e 66 feridos, indicou o Hospital Central de Maputo.

No meio do caos, Carlos relata que algumas pessoas se aproveitaram da “confusão na rua” para pilharem e roubarem lojas, contribuindo para o escalar da violência e obrigando a uma intervenção policial mais musculada.

“Incerteza muito grande”

Apesar das ruas tomadas pela destruição, com a polícia a travar manifestações com tiros para o ar e lançamento de gás lacrimogéneo aos que respondiam com arremesso de pedras e garrafas, nenhum dos portugueses com os quais o JN falou tem planos para regressar à terra natal, por enquanto.

Alexandre refere que nem sequer lhe “passou pela cabeça abandonar Moçambique” neste momento. “Claro que se continuar com esta instabilidade assim, uma pessoa tem que pensar”, admite Paula, explicando que vai viver “um dia de cada vez”, com “uma incerteza muito grande”. Com a vida organizada em Maputo, não quer ter de voltar para Portugal, apenas o fará se sentir que não está segura, o que para já não é o caso. Já o contacto com familiares em Portugal preocupou-a. “Está horrível”, atira, contando que na segunda-feira entrou “mesmo em pânico” por não conseguir falar com as filhas, “porque reduziram completamente os dados móveis”.

“Não temos nada, as operadoras aqui não funcionam. Cortaram-nos, limitaram-nos tudo e pronto, é muito difícil”, indica Paula, referindo-se às restrições à Internet impostas no âmbito dos protestos. “Redes sociais é só mesmo o WhatsApp, só por mensagens e nada mais”.

Alexandre explica que consegue falar com pessoas fora de Maputo “por via SMS e por via telefone”, confirmando o “bloqueio de acesso a algumas redes sociais, que pode ser pontual, pode ser geográfico”. Verificou-se “o corte de dados móveis em vários tarifários”, relata. “Reduziram o acesso à banda larga de forma a que os vídeos e as fotografias não passem”, pormenoriza Carlos. Não obstante, alguns serviços, como é o caso do Starlink, continuam a funcionar em pleno. Também pode ser usada uma VPN para permitir acesso às redes sociais restringidas no país.

“As pessoas estão preocupadas”

Para manter os emigrantes portugueses em contacto, o Consulado-Geral de Portugal em Maputo criou um grupo no WhatsApp para disponibilizar apoio, que “teve que ser transformado em canal devido ao elevado número de pessoas a aderir”, contou fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros ao JN.

“Continuamos hoje a não ter qualquer pedido de ajuda de portugueses, (…) tal como aconteceu nos dias anteriores”, garante a mesma fonte. “As pessoas estão preocupadas”, nomeadamente com a possibilidade de os voos serem cancelados, mas “ninguém pediu ajuda para sair” de Moçambique. Por uma questão de precaução, o consulado enviou “mensagens a apelar às pessoas para não participarem nas manifestações, para se recatarem”.

Contactado pelo JN, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário, informa que, apesar dos protestos violentos, a situação “está a acalmar”.

Os protestos nas ruas surgiram depois do resultado das eleições gerais, que decorreram a 9 de outubro. A Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique anunciou, a 24 de outubro, que o vencedor das presidenciais era Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde 1975), com 70,67% dos votos.

O candidato presidencial Venâncio Mondlane, que segundo a CNE ficou em segundo lugar com 20,32% dos votos, afirmou não reconhecer os resultados, que ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional, e convocou protestos que paralisaram o país, bem como uma greve de sete dias, a partir de 31 de outubro. Mondlane está neste momento fora do país, por razões de segurança.

JN/MS

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