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From Britain with love… para o Ruanda

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Ruanda está classificado em 160.º no índice de desenvolvimento humano, pelo que não será um grande destino para viver e muito menos uma referência em termos de direitos humanos e de qualidade da democracia, com um Presidente que governa o país já há 22 anos com mão de ferro, o general Paul Kagame.

E, no entanto, o Governo de Boris Johnson fez um acordo que custou 144 milhões de euros para desterrar para o Ruanda os requerentes de asilo e migrantes que entrem ilegalmente no Reino Unido, venham eles de onde vierem, com a promessa de serem recebidos de braços abertos enquanto esperam em hotéis o veredicto britânico.

Quando se ouve falar no Ruanda, é impossível não pensar no horrível genocídio de há 27 anos em que morreram mais de 800 mil hutus e tutsis e que deixou uma ferida ainda hoje difícil de sarar. Organizações de direitos humanos afirmam que, sob o pretexto de manter a segurança no país, as liberdades são cada vez mais restringidas e as oposições suprimidas. Portanto, o Ruanda, país da Commonwealth, não é propriamente o mais seguro do mundo para enviar à força refugiados que fogem de conflitos, perseguições e pobreza. Não admira que esta decisão chocante tenha logo levantado um coro de indignação e críticas de inúmeras instituições e organizações internacionais pela sua falta de humanidade.

Tão grave como a decisão é a tentativa de a justificar, com argumentos que se destacam, acima de tudo, pelo cinismo, dizendo que é uma forma de dissuadir outros migrantes de atravessarem o canal da Mancha para não morrerem afogados, como disse Boris Johnson, ou que se trata de uma política de “primeira classe”, como disse a ministra da Administração Interna Priti Pattel, que não é propriamente conhecida pela humanidade no que respeita a políticas de imigração.

Mas talvez ainda mais grave seja ter sido aprovada no Parlamento britânico uma lei que dá ao Reino Unido a primazia jurídica em relação à Convenção Europeia dos Direitos Humanos e às decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em violação da Convenção de Genebra sobre os refugiados, colocando assim o país ao nível da selvajaria na defesa dos direitos fundamentais e infligindo a si próprio um retrocesso civilizacional que certamente não será grande motivo de orgulho para os britânicos. Perde, além disso, a autoridade moral para condenar outras situações de violação de direitos humanos, onde quer que ocorram.

Paralelamente, o facto de o Governo de Boris Johnson se ter posto a criticar a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que impediu o primeiro voo com refugiados para o Ruanda de descolar, e de ter demonstrado um total desprezo pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos, ofende gravemente o Conselho da Europa e os seus valores fundacionais.

Na realidade, é escandaloso que um país civilizado trate com tanto desprezo a imigração e desça tão baixo na defesa dos direitos fundamentais e da dignidade humana. São tempos sombrios aqueles em que vivemos, entre pandemias e guerras, com o crescimento dos autoritarismos e dos partidos e movimentos populistas e nacionalistas, como acontece com o atual governo britânico e com um preocupante aumento da indiferença perante os tratados e convenções internacionais, com destaque para as sucessivas Convenções de Genebra, como a dos Refugiados, que trouxeram respeito e dignidade aos seres humanos em situação de conflito e de precariedade, e uma ética que tem servido de cordão sanitário à barbárie.

O Governo de Boris Johnson está a prejudicar seriamente o valor do direito internacional, primeiro ao pôr em causa repetidamente o acordo de saída da União Europeia e agora com a deportação para o Ruanda dos requerentes de asilo e migrantes, causando não apenas danos graves ao Reino Unido e à sua respeitabilidade internacional, mas abrindo também um precedente perigoso que facilmente inspirará autocratas e inimigos das sociedades abertas a violarem impunemente as regras mais básicas do Estado de direito e dos direitos fundamentais devidos a cada ser humano, independentemente da sua origem ou credo.

Paulo Pisco/MS

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