Países europeus investem para tornar a ciência mais próxima da comunidade
Investigadores financiados pela União Europeia estão a explorar novas formas de aprendizagem que tornam a ciência mais relevante para a vida quotidiana, e mais divertida.
Frank Täufer, um assistente científico no Campus Wiesengut, a quinta ecológica de ensino e investigação da Universidade de Bona, pediu a um grupo de crianças de 8 anos que o visitavam para tentar adivinhar porquê que as plantas de centeio no seu campo tinham alturas diferentes. Ficou surpreendido com as diversas e interessantes respostas.
Algumas crianças sugeriram que as plantas altas da quinta recebiam mais luz solar. Outras achavam que podiam haver diferentes tipos de centeio no campo ou que os insetos podiam estar a destruir a cultura. Um aluno, após desenterrar uma planta para inspecionar as suas raízes, pensou que o solo do campo devia de ser diferente.
“Fizeram realmente perguntas e tiveram ideias que eu próprio não teria tido”, afirma Täufer. “Faço regularmente estas perguntas aos meus alunos universitários e eles não têm tantas ideias. E nunca nenhum deles desenterrou uma planta para ver as raízes.”
Levar as crianças para fora da sala de aula
O trabalho de Täufer faz parte do projeto de três anos MULTIPLIERS, que recebeu financiamento da UE para explorar formas de tornar a ciência mais apelativa para os jovens.
Estão a fazê-lo através da criação do que designam por Comunidades de Ciência Aberta, ou OSC. A ideia é criar redes de colaboração entre escolas, universidades, instituições de ensino informal, museus, associações locais, e indústria e sociedade civil, a fim de alargar as oportunidades de os alunos aprenderem sobre ciência em contextos reais, como a quinta.
“Acredito que é muito importante levar os alunos para fora da sala de aula para que possam trabalhar com temas autênticos e tornar a aprendizagem da ciência relevante para a vida quotidiana”, afirmou Annette Scheersoi, especialista em educação científica sustentável da Universidade de Bona e coordenadora do MULTIPLIERS.
“Quando estamos interessados, lembramo-nos melhor, mas também ficamos mais conectados e sentimos o valor e a relevância”, afirmou.
Conectar a ciência e a vida real
Até à data, foram criadas Comunidades de Ciência Aberta em seis países europeus: Alemanha, Chipre, Eslovénia, Espanha, Itália e Suécia. Os alunos dos seis países tiveram a oportunidade de interagir com especialistas em ciência de diversas origens para explorar soluções baseadas na ciência para os problemas atuais.
O objetivo é ajudar os jovens a relacionarem-se com os desafios científicos da vida real que enfrentamos todos os dias, desde a resistência antimicrobiana à água potável e ao saneamento.
A título de exemplo, em Barcelona, os alunos do ensino secundário foram convidados a aplicar o que aprenderam nas aulas de química para medir a poluição atmosférica no recreio da escola e em casa. Depois, apresentaram os resultados.
Na Alemanha, Eslovénia e Suécia, os alunos foram para a floresta aprender sobre silvicultura sustentável e biodiversidade. Com a orientação de silvicultores e cientistas locais, os alunos estudaram de perto diferentes árvores e tomaram decisões sobre se estas deviam ou não ser deitadas abaixo.
“A abordagem consistiu em considerar a silvicultura como um dilema complexo com compromissos entre o ecossistema e a produção de madeira”, refere Scheersoi.
Multiplicar o impacto
O efeito multiplicador também tem sido crucial para Scheersoi: transformar os alunos em professores e dar-lhes a oportunidade de partilharem os seus novos conhecimentos com outros.
Os alunos da quinta ecológica convidaram os seus pais para uma sessão de degustação onde discutiram os benefícios dos produtos biológicos. Na floresta, os pais foram convidados para um Dia da Floresta debaixo das árvores, onde as crianças partilharam o que aprenderam.
Os alunos foram também incentivados a partilhar os seus conhecimentos através da criação de podcasts, blogues científicos ou da organização de feiras de ciências para as famílias. Agora, a esperança é desenvolver este trabalho e continuar a incorporar a abordagem para além do projeto.
“No decorrer do MULTIPLIERS, vimos como os alunos, os professores e os especialistas em ciências externos se envolveram nestas lições. Queremos que estas redes não só se mantenham, mas que cresçam, trazendo mais pessoas e fazendo avançar esta nova forma de aprendizagem para os alunos”, refere Scheersoi.
A ciência a favor da sustentabilidade Como parte da sua política de ciência aberta, a UE está a apoiar o ensino aberto para a educação científica, reconhecendo que a Europa precisa de mais cientistas, incluindo cidadãos cientistas.
Esta iniciativa também é importante para Jelena Kajganović, especialista em sustentabilidade na Geonardo, uma empresa húngara de inovação e tecnologia ativa nos domínios da energia, do ambiente e do desenvolvimento sustentável. Kajganović liderou um projeto de três anos financiado pela UE chamado OTTER que, tal como o MULTIPLIERS, visava inspirar uma abordagem diferente à aprendizagem das ciências e conectar os alunos a desafios do mundo real fora da sala de aula. Chamaram a esta abordagem “educação fora da sala aula (EOC).”
Segundo Kajganovic, levar a aprendizagem para fora do ambiente escolar, através de atividades ao ar livre e visitas de estudo, tem efeitos positivos comprovados. O OTTER investigou a forma como a educação fora da sala de aula poderia também ajudar a melhorar a aquisição de novos conhecimentos e competências, especificamente no domínio da sustentabilidade ambiental.
“As ideias centrais subjacentes ao OTTER são: como tornar o ensino das ciências mais apelativo, como incentivar os alunos a aprender e aplicar os seus conhecimentos”, afirma.
Embora Kajganović observe uma apatia geral em relação à ciência em muitas salas de aula, vê isso como um potencial inexplorado para intensificar a ligação da aprendizagem com os desafios prementes da sustentabilidade.
Em colaboração com parceiros na Espanha, Finlândia, Hungria e Irlanda, o OTTER procurou relacionar as aulas de ciências na sala de aula com questões locais. Rapidamente, os alunos nas escolas OTTER começaram a relacionar a teoria com a prática.
Numa escola perto de Barcelona, um grupo de alunos de 14 anos recolheu amostras de um rio local para testar a qualidade da água e ficaram alarmados com os resultados. Com base nas suas descobertas, os alunos organizaram uma petição em linha para a limpeza do rio.
“Ao testar a água, aperceberam-se do problema e da ligação com as suas próprias vidas. Fez todo o sentido para eles”, refere Kajganović.
Partilhar o conhecimento por toda a Europa
Para divulgar ainda mais o impacto do seu trabalho, a equipa do OTTER criou uma plataforma de aprendizagem em linha com uma série de materiais didáticos interativos que os educadores podem utilizar para os ajudar a realizar atividades educativas fora da sala de aula.
Com os olhos postos no futuro, o OTTER espera agora conseguir que os professores de toda a Europa utilizem a plataforma para explorar formas de se envolverem na aprendizagem das ciências ao ar livre. A longo prazo, Kajganović acredita que o projeto pode desencadear uma nova forma de pensar sobre a ciência e inspirar a próxima geração.
“Gostaria muito de ver a nossa abordagem à educação científica mudar, dando aos jovens mais espaço para refletirem sobre a ciência e a sua aplicação nas suas vidas”, afirmou. “Em termos de sustentabilidade, se não resolvermos os nossos problemas, ninguém o fará, e foi espantoso ver os jovens a assumirem a liderança.”
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.
JN/MS
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