Mundo

O tumulto das criptomoedas pode ser uma bênção disfarçada

blockchain - milenio stadium

 

O sol brilha sempre atrás das nuvens. Assim, quer o sol se ponha ou não sobre as criptomoedas, a tecnologia subjacente, a blockchain, tem um futuro brilhante para além das moedas.

Sam Bankman-Fried era adorado no mundo das criptomoedas, até se tornar uma ovelha negra. Em novembro do ano passado, a empresa de criptomoedas que fundou, a Futures Exchang (conhecida mundialmente como FTX), colapsou com estrondo.

A FTX, uma plataforma digital onde os utilizadores podiam comprar e vender criptomoedas, abriu falência após alegada má gestão dos fundos dos clientes. Bankman-Fried era muito respeitado pelos investidores e pelos meios de comunicação social, que aplaudiram as suas generosas doações para a caridade e por chamar a atenção para práticas pouco éticas na indústria. A falência destruiu essa imagem. O colapso também se ficou a dever à queda maciça dos preços das criptomoedas, e ao fracasso de vários grandes atores do setor.

Por detrás deste colapso e das alegações de fraude, as empresas permanecem surpreendentemente otimistas quanto ao potencial da blockchain.

Uma delas é a Motoblockchain, uma pequena empresa em fase de arranque (start-up) de Málaga, Espanha. Criou um sistema onde toda a informação relevante sobre uma moto (as suas peças, utilização e reparações) pode ser armazenada numa cadeia de blocos. Todos, desde mecânicos a pilotos que queiram comprar uma moto em segunda mão, podem aceder aos registos deste sistema para verificar a origem e história de uma moto.

“Ter uma forma confiável para mostrar a proveniência de um produto, ou das suas peças, é realmente importante em muitas indústrias”, diz João Fernandes, analista do fundo de investimento português Bright Pixel Capital, que apoiou a Motoblockchain através do projeto BlockStart financiado pela UE. “É também algo em que a tecnologia de blockchain se distingue. Dá uma camada extra de credibilidade à informação num ecossistema”.

Esta confiança é uma das muitas vantagens que a tecnologia blockchain pode oferecer à economia europeia. Mantém empresas em fase de arranque, como a Motoblockchain, esperançosas quanto à tecnologia dblockchain, apesar dos espetaculares ciclos de crescimento e colapso das criptomoedas. Estimular o seu crescimento, e convencer as empresas europeias a utilizar a tecnologia, pode ser crucial para o sucesso a longo prazo da cadeia de blocos.

“O impacto da tecnologia blockchain só será plenamente conseguido se convencermos as PME a utilizá-la”, diz Fernandes. “Mais de 90% da economia é composta por estas empresas. E muitas dessas empresas podem realmente beneficiar da utilização de tecnologias baseadas em blockchain”.

Sem intermediários

A blockchain permitem o registo digital das transações das criptomoedas sem que uma das partes controle a moeda. Em contraste com as bases de dados comuns, que são geralmente controladas por uma das partes, esta tecnologia é descentralizada.

O mais importante é que a tecnologia da cadeia de blocos (livros-razão distribuídos) pode ser utilizada para registar qualquer coisa de valor sem um intermediário, e não apenas transações financeiras.

Este é um conceito com aplicações muito para além da criptomoeda. Por exemplo, é útil para seguir a história de uma moto, como faz a Motoblockchain. A mota pode passar por dezenas de inspeções, visitas ao mecânico e vendas ao longo da sua vida útil. Uma série de intervenientes, tais como utilizadores, empresas de motos e oficinas de reparação, precisam de transmitir esta informação. Isto é difícil utilizando sistemas centralizados. Uma empresa de motas pode não querer utilizar um sistema de localização centralizado, propriedade de um dos seus fabricantes de motociclos concorrentes. Uma cadeia de blocos neutra e descentralizada oferece aqui uma alternativa.

“A tecnologia de cadeia de blocos brilha quando há múltiplos intervenientes que têm de aceder ao mesmo sistema e partilhar informação de forma descentralizada”, explica Robert Richter que coordenou o projeto financiado pela UE Blockpool na Escola de Finanças e Gestão de Frankfurt. “Cria um sistema onde não é necessário um intermediário”.

Desta forma, a blockchain pode estar na base de alguns dos programas informáticos que as pessoas comuns usam no seu dia-a-dia, sem o saberem. “Vejam a Internet”, disse Richter. “Hoje em dia todos a utilizam sem compreender como funciona. Mas, no passado, era algo novo que tinha de ser desenvolvido. O mesmo está a acontecer agora com a cadeia de blocos”.

Para que isso aconteça, as empresas em fase de arranque terão de desenvolver aplicações que tornem a complexa tecnologia de blockchain, em algo acessível às empresas não tecnológicas, empresas comuns como as PME. A BlockStart e a Blockpool trabalharam para resolver esta dificuldade durante vários anos. Ambos os projetos criaram programas que selecionaram empresas em fase de arranque interessantes, que usassem blockchain, deram-lhes financiamento e mentoria, e ligaram-nas a possíveis clientes. Para além disso, deram informação às empresas existentes sobre o potencial da cadeia de blocos.

“Descobrimos que um dos principais obstáculos ao sucesso da cadeia de blocos é que os executivos das empresas não têm conhecimentos suficientes sobre o potencial da tecnologia”, disse Richter. “É por isso que a informação das PME, e de outras empresas, é tão importante”.

A BlockStart apoiou 60 empresas em fase de arranque, ligou-as a 67 PME, e deu 20 000 euros às finalistas. A Blockpool fez algo semelhante, 25 start-ups passaram pelo seu programa, durante o qual cada uma delas recebeu 30 000 euros de investimento sem participação no capital. Uma das PME que participou na BlockStart é a AlBicchiere, uma empresa italiana que oferece um dispositivo “Nespresso para vinho” aos clientes. A empresa queria poder traçar o percurso do seu vinho, desde o viticultor até ao cliente, e a Datarella, uma das empresas em fase de arranque da BlockStart, criou um sistema de cadeia de blocos para este fim.

Cripto-inverno

Sobreviver ao cripto-inverno não vai ser fácil. A maioria destas empresas em fase de arranque precisa agora de lidar com um mercado tecnológico que atravessa um momento de agitação. Mesmo as empresas tecnológicas comuns estão em apuros, com grandes protagonistas como a Meta, a Amazon e a Spotify a anunciar despedimentos em massa. Isto pode colocar um obstáculo ao crescimento das empresas em fase de arranque apoiadas pela BlockStart e pela Blockpool.

“O atual inverno das criptomoedas irá, creio eu, atrasar a implementação da tecnologia de blockchain”», diz Fernandes. “Alguns projetos terão mais dificuldade em angariar investimento, e em encontrar clientes”.

Mas para o espaço mais amplo das cadeia de blocos e das criptomoedas, este colapso pode ser uma bênção disfarçada, de acordo com Richter e Fernandes. Por exemplo, poderia eliminar as empresas mais fracas, em favor das que têm maior potencial.

“Há alguns projetos de cadeias de blocos e criptomoedas por aí sem um propósito concreto», disse Richter. «Essa é sempre a primeira pergunta que faço: tem um caso de uso?”

Fernandes concorda. “O espaço da blockchain estava demasiado lotado antes. Agora, apenas os melhores projetos sobreviverão. Os sobreviventes deste inverno serão os primeiros a avançar no futuro. Dentro de cinco a 10 anos tornar-se-ão os vencedores”.

A investigação neste artigo foi financiada pela UE. Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER