Líbano “à beira do caos” fervilha em violência

Meandros da investigação à explosão no porto de Beirute espoletaram manifestação com final sangrento. Caso está a ser politizado por elites sectárias libanesas.
Esta semana, o Líbano viveu mais um momento negro na sua história. Seis pessoas morreram em consequência dos tiroteios que marcaram as manifestações convocadas pelos movimentos xiitas Hezbollah e Amal, em Beirute, contra o juiz que está encarregado da investigação à explosão em 4 de agosto de 2020, no porto da capital libanesa.
Simpatizantes do grupo fundamentalista islâmico xiitas e da ex-milícia cristã das Forças Libanesas trocaram tiros no bairro de Tayoune e trouxeram à memória as cicatrizes da guerra civil dos anos 1990, num país onde a longa crise económica e social e o insistente regime de impunidade estão a fazer fervilhar uma crescente corrente de violência.
“O Líbano está à beira do caos político e numa tragédia económica”, afirma Ana Santos Pinto, professora especialista em Geopolítica do Médio Oriente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, que ao JN narrou a frágil situação do Líbano.
A manifestação de quinta-feira ocorreu no contexto da explosão de há um ano, que continua sem culpados. Mas a verdade é “que é efetivamente politizada”, não pelo juiz, acusado na terça-feira pelo Hezbollah “de ter objetivos políticos”, “mas sim pela investigação e pelo curso” que está a tomar, diz Ana Santos Pinto.
“Para se fazer a investigação corretamente era preciso entrar nas elites que governam há 30 anos. O grupo xiita está a levar para a opinião pública o facto de serem chamados a julgamento como uma perseguição, politização, do grupo” tentando ocultar aquilo que “possam ser eventualmente elites corruptas, que é um dos problemas estruturais do país”, acrescenta a académica, também ex-secretária de Estado da Defesa Nacional.
Os líderes políticos libaneses têm impedido constantemente a investigação à explosão provocada pelo armazenamento de grandes quantidades de nitrato de amónio por mais de sete anos sem qualquer medida de segurança. Tragédia essa que grita “irresponsabilidade e negligência da governação” e que tornou evidente “a falta de controlo das infraestruturas críticas libanesas”.
Todavia, a crescente violência e instabilidade no Líbano vão muito além da falta de respostas para a explosão que matou 216 pessoas e esventrou Beirute.
Maior crise do Mundo
O processo está a ser “polarizado politicamente” até na esfera pública, disse, ao jornal francês “Le Monde”, Melhem Khalaf, presidente da Ordem dos Advogados de Beirute. “Existe uma vontade política de caminhar para uma cultura de impunidade”. Cultura essa que fragiliza ainda mais “uma das mais graves crises económicas desde o século XIX do Mundo”, segundo o Banco Mundial. A dívida pública do Líbano chega a quase 350% do PIB e há cerca 40% da população sem emprego e outra tanta sem rendimento, constata Ana Santos Pinto.
Apesar da escalada de violência, a professora não acredita que o país volte a mergulhar num conflito armado interno. “Quando um Estado passa por uma guerra civil, dificilmente volta a entrar noutra porque é algo que deixa marcas profundas. Mas existe, sim, um crescendo da violência”, afirma.
Confrontado com um dos momentos mais sangrentos dos últimos anos em Beirute, o Hezbollah garantiu que não seria arrastado para a guerra civil.
Mas os sinais são claros. A tensão sectária está em escalada. No meio de um a grave crise, altera-se a perceção de segurança das pessoas e generaliza-se no mercado negro o aumento de circulação de armamento. “Quando temos um histórico de política e violência sectária, de grupos que competem entre si, em momentos de crise como este, tudo vem ao de cima”, remata Ana Santos Pinto.
Português acusado de envolvimento na explosão
Jorge Moreira, diretor comercial da Fábrica de Explosivos de Moçambique, que tinha encomendado o produto que levou à tragédia, foi acusado pela Justiça libanesa de partilhar responsabilidade pela explosão. O homem, de 42 anos, era suspeito de introdução de matérias explosivas no Líbano, homicídio intencional, ato de terrorismo, danificação de máquinas com o objetivo de afundar embarcação causando várias mortes e intervenção criminal e contravenção, crimes que lhe podiam custar “uma pena máxima de prisão perpétua.
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