Vidas com História

Faustino Luís Coelho

 

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Créditos: Diego Perez

Registar memórias, honrar o percurso que desbravou caminhos e dar a conhecer quem um dia, por razões diversas saiu do seu país para vir viver no Canadá. É este o propósito deste “Vidas com História” que, em breve se transformará também num programa de televisão que será transmitido na nossa Camões TV. Desta vez, trazemos o registo de uma vida vivida entre tesouras e navalhas. Uma vida cheia. Faustino Luís Coelho é o protagonista. Do alto dos seus 90 anos e com uma cabeça a funcionar em pleno, o Sr. Faustino faz-nos recuar no tempo e transporta-nos para outras eras, seguindo o seu percurso de vida.

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Faustino, esposa e filhos – Créditos: DR.

Geraz – onde nasceu Faustino e a sua arte

“A minha vida já vai há 90 anos. Nasci na freguesia de Geraz, Póvoa de Lanhoso. O meu falecido pai era da tropa na Primeira Guerra Mundial e aprendeu a trabalhar como barbeiro. Depois acabou a guerra, veio para Portugal, arranjou namoro com a minha mãe e casaram-se. Ela era da freguesia de Ferreiros, que é encostada à freguesia de Geraz. O meu pai era barbeiro só ao domingo, porque ele era caseiro, trabalhava numa quinta. Antigamente era só ao domingo que se cortava o cabelo e fazia a barba. O povo da freguesia juntava-se no fim da missa e havia uma mercearia que era também taberna, café… era tudo. E então era aí que o meu pai tinha um cantinho para trabalhar. E nós os filhos, que éramos quatro rapazes, todos aprendemos a arte de barbeiro. Eu dos quatro aos sete anos andei a guardar gado com o meu falecido pai. Depois dos sete anos ia à escola e quando saía ia ajudar o meu falecido paizinho e a minha mãe.  À hora do meio-dia metia o gado na corte e ajudava o meu pai que andava a podar as videiras, a cavar os campos, tudo.”

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Faustino à porta da sua barberia – Créditos: DR.

Lisboa – o trabalho, o casamento e o curso de cabeleireiro unisexo

“Depois vim para Lisboa, tinha 16/17 anos. O meu falecido pai tinha um parente em Lisboa que vendia fruta por grosso. E trabalhava na Ribeira. Um dia, ele foi à quinta do meu pai comprar laranjas e o meu pai pediu-lhe se ele arranjava trabalho para um filho. Não era para mim, era para o meu irmão mais novo, mas ele não quis ir e o meu pai perguntou-me se eu queria ir e eu fui. Quando cheguei a Lisboa fiquei empregado numa leitaria. E ia entregar o leite a casa dos fregueses e, de vez em quando encontrava uma rapariga e a gente brincava, não é? Sem maldade. Conheci a minha mulher depois de sair da tropa, nessa altura trabalhava no metropolitano e trabalhava como barbeiro nas horas vagas em Campo de Ourique e na Câmara Municipal de Lisboa (também como barbeiro). Depois dediquei-me à profissão. Fui tirar um curso de cabeleireiro unissexo, em 1964. Sabe eu sempre gostei de subir escadas é por isso que ando aqui à rasca do joelho, porque gostava de subir, subir, subir… aquela ganância de ser o melhor. Estive em Viena de Áustria e em Paris em concursos de cabeleireiros.”

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Faustino a trabalhar na sua barbearia – Créditos: DR.

A vinda para o Canadá

“Um primo meu foi um dos primeiros imigrantes que veio na primeira embarcação para o Canadá para trabalhar nos “farms”. O meu irmão que é o mais novo de nós casou com uma prima e veio também aqui para o Canadá. Depois chamou o meu irmão mais velho e depois vim eu. O mais velho chamou-me a mim. Nós tínhamos a nossa profissão como barbeiros. Vim à procura de uma vida melhor, mas eu até não tinha razão de queixa da vida que tinha em Lisboa. Quando chegámos ao Canadá a minha filha mais velha tinha 9 anos, quer dizer veio cá fazer já os 9 anos, no Parque Madeira, e a mais nova veio com 4 anos e 3 dias.”

Vidas com História - Faustino Luís Coelho-toronto-mileniostadiumA chegada, os telhados e a casa

“Cheguei no dia 14 de julho de 1968. Eu sou puro – quando vinha no ar, calhou vir à janela e quando o comandante disse que estávamos em cima de Toronto eu olhei para baixo e botei as mãos à cabeça “ai Jesus que isto aqui é só barracas!”, porque parecia, por causa dos telhados. Não estava habituado, porque em Portugal é telha e eu aqui via aquelas chapas todas lisas, como se usava nas barracas lá em Portugal. Quando cheguei então vi que afinal era o paraíso. Senti a alegria e a amizade do meu querido irmão Flávio. O meu irmão morava na Oxford e nas primeiras noites remediámo-nos e ficámos em casa dele. Depois arranjei um apartamento na Brunswick, mesmo em frente ao Hospital. Ficámos lá um mês, só, porque o prédio foi vendido e fomos para Markham e College. Depois em 1971 comprei esta casa. Naquele tempo comprei-a por 29,200 dólares, agora hoje vale o quê – 1 milhão e quinhentas? É assim a vida.”

A ideia que trazia e a realidade hoje

“Trazia a ideia de me ir embora, ao fim de um tempo, mas olhe… devo ficar por aqui. Este agora é o meu país, mas tenho sempre Portugal no coração.”

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Utensílios de barbearia – Créditos: Diego Perez

O trabalho e os clientes

“Fui um dos primeiros a chegar ao Canadá com um diploma de cabeleireiro unissexo. Passado pouco tempo abri “O Meu Barbeiro”. Aqui as pessoas davam-me valor porque eu sabia fazer as coisas. Penso eu que sabia. Aqui havia pouca gente a cortar o cabelo à navalha – era à tesoura, mas cortar o cabelo à navalha é um bocadinho difícil. Não é para qualquer um. Os meus clientes foram clientes de uma vida. Graças a Deus, só eles podem dizer, mas eu não tenho vergonha nenhuma de lhe dizer que fui o primeiro cabeleireiro de homens, português, aqui em Toronto. Trabalhei bem e ensinei seis empregados meus a trabalhar, tanto que eles estão todos estabelecidos. E nunca tive raiva dos meus empregados se estabelecerem. Aprenderam comigo, mas está bem.”

O inglês? – nunca foi muito necessário

“Eu vivi sempre no meio de portugueses. É por isso que não falo muito inglês. Nunca tive necessidade. Nunca estive na escola, aprendi só alguma coisa com os meus netos e agora bisnetos (risos). É assim a vida. Os meus netos falam português, mas os bisnetos… coitadinhos. A minha filha mais velha começou logo a ir para a escola, a mais nova esteve na creche (como se diz lá em Portugal), dos 4 aos 6 anos. Depois entrou para a escola. E lá aprenderam o inglês. A mais nova agora é professora, ensina outros.”

O fechar de portas

“Quando fechei as portas da minha barbearia não descansei nada. Porque eu quando acabei de fechar a barbearia, trouxe-a para aqui para o meu basement. Trouxe uma cadeira e um terço da bancada, tinha aquilo para lavar as cabeças, tinha tudo aqui na minha casa. Por isso foi um fechar mais lento. Era o interesse…”

MS

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