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Segunda vaga está a asfixiar restaurantes

Alguns restaurantes não sobreviveram à primeira vaga da pandemia em março, mas agora com a hipótese de um novo confinamento os empresários da restauração estão apreensivos com o Natal e com o futuro. No passado sábado (14) os empresários esperavam que Toronto abrandasse as restrições e voltasse a permitir que os restaurantes servissem refeições internas, mas o aumento de casos das últimas semanas fez com que as autoridades de saúde recomendassem mais restrições. No espaço de dois dias, cinco regiões de Ontário passaram à designação de área vermelha, o escalão mais grave de toda a província. No passado sábado (14) Toronto e Peel passaram à fase vermelha e na segunda-feira (16) foi a vez de Hamilton, York e Halton. A nova designação significa que os restaurantes não estão autorizados a servir refeições em espaços internos e é permitido apenas take-out.

O governo federal preparou um pacote de medidas de apoio que se vai manter em vigor até ao verão de 2021. O apoio financeiro de Otava inclui apoio ao arrendamento, aos salários e aos empresários que tiveram de encerrar a atividade devido às restrições, mas o setor avisa que sem clientes não compensa fazer os investimentos que estão a ser exigidos.

A Restaurants Canada, que representa 40.000 membros em todo o país, sublinha que “não foram fornecidos dados precisos de transmissão que indiquem claramente que os restaurantes são a fonte de transmissão da COVID-19”. A associação informa que os restaurantes investiram cerca de $750 milhões em formação, estações de desinfeção, equipamento de proteção individual e sistemas de purificação de ar para proteger os seus clientes e que cerca de 87% dos canadianos concorda que os restaurantes estão a fazer um bom trabalho para manter os clientes seguros. Mas, ainda assim, os restaurantes estão a encerrar, lamenta a Restaurants Canada. Até aqui, o setor da restauração já perdeu 188.000 empregos e os novos encerramentos podem fazer com que o desemprego no setor da restauração atinga os 100.000.

Carlos Pires, com 30 de anos de experiência nesta área e proprietário da Bairrada, o número 1000 na College Street, disse ao Milénio Stadium que não compreende como uma tenda ventilada pode ser mais segura do que o espaço interior do restaurante. “Para colocar uma tenda em condições na minha esplanada privada tenho que investir cerca de $100.000, fora o investimento em aquecimento. Não é rentável tendo em conta que a faturação caiu devido à pandemia. A Bairrada da College tem portas que me permitem fazer circular o ar, tenho pena que o presidente da autarquia de Toronto nunca tenha visitado uma das melhores esplanadas da cidade, segundo as revistas da especialidade. A própria vice-presidente Ana Bailão podia lutar mais pelos interesses dos luso-canadianos”, afirmou.

Milenio Stadium - Ontario - Bairrada Churrasqueira
Pátio da Bairrada Churrasqueira em Toronto. Foto: DR.

 

O Milénio Stadium procurou obter uma reação do município de Toronto e Ana Bailão, vice-presidente da autarquia e vereadora do Ward 9, compreende a frustração dos empresários, mas alerta que todos têm de cumprir com a sua parte. “O aumento alarmante de casos de COVID-19 nestas últimas semanas requer sacrifícios de todos e exige esforços extraordinários do pequeno comércio. Estas medidas são necessárias para salvarmos vidas e para o nosso sistema de saúde ter sempre capacidade de resposta para os doentes, sejam eles com Covid-19 ou com qualquer outro problema de saúde”, esclareceu.

A autarquia de Toronto sublinha que está a trabalhar para conseguir compensar os comerciantes pelas quebras na faturação. “A maioria das medidas de confinamento são impostas pelo governo provincial em consulta com os departamentos municipais de saúde pública. Eu e os meus colegas na Assembleia Municipal temos apelado ao governo provincial e federal e lutado pelos interesses dos nossos comerciantes e defendemos que estas medidas, necessárias para conter a transmissão do vírus, só podem ser implementadas com um programa económico de apoio ao pequeno comércio. Não é possível pedir ao comércio para encerrar sem lhes dar os apoios financeiros para que o possam fazer”, explicou Bailão.

Pires é um dos muitos empresários no ramo que garante ter cumprido com as novas normas de saúde pública, mas lamenta que existam tratamentos diferentes na área. “Reduzimos a capacidade da nossa esplanada para sete mesas em vez de 20 e os nossos funcionários utilizam PPE. Os serviços de entrega de comida cobram cerca de 30% de comissões e acho que a província deveria reduzir estas comissões para 15%, tal como já foi feito em algumas cidades nos EUA. Não entendo porque é que nós não podemos servir refeições dentro dos nossos restaurantes, se os centros comerciais o fazem. Quando vou ao Dufferin Mall ou a outros centros comerciais vejo pessoas sem máscara e sem cumprirem a distância social. Acho que não é justa esta diferença de tratamento”, explicou. Pires diz que este Natal vai ser muito diferente e antecipa quebras de faturação em dezembro na ordem dos 90%.

Numa encomenda no valor de $15 um restaurante faz cerca de $10.50, o que significa que a app de entrega de comida cobra $4.50. Neste momento operam no Canadá a Uber Eats, a DoorDash e a SkipTheDishes porque a Foodora anunciou no final de abril que não era rentável continuar a operar no país.

Os pedidos de entrega de comida têm sido uma tábua de salvação para os restaurantes durante a pandemia porque a procura por refeições nos restaurantes em ambientes fechados diminuiu. A Uber Eats anunciou em outubro que reduziu a sua taxa de entrega para 7,5% desde que o restaurante processe o pedido. A taxa vai manter-se em vigor pelo menos até ao final do ano, garante a Uber Eats. A DoorDash está a oferecer a entrega a clientes que gastem mais de $25 num restaurante local em Toronto e está a oferecer entrega gratuita todas as quartas-feiras durante os meses de inverno para ajudar a aumentar as vendas no Canadá. A SkipTheDishes está a cortar 25% das comissões nas áreas com mais restrições e quem aderir ao serviço pela primeira vez não paga comissões durante 30 dias. Os restaurantes que optarem por utilizar os seus próprios funcionários para fazer a entrega pagam apenas 10% de comissão, informa a SkipTheDishes.

Milenio Stadium - Ontario - Restaurante Patio (1)
Restaurante Patio. Foto: DR.

 

O restaurante Pátio, localizado no 2255 da Keele Street, defende que um confinamento em toda a província era mais eficaz do que as atuais restrições em apenas algumas regiões. “Não serve de nada porque as pessoas vão para Barrie, Niagara e para outras regiões. Na minha opinião acho que fazia mais sentido encerrar a província inteira durante duas semanas, julgo que os casos iam diminuir muito e talvez pudéssemos fazer alguns planos para o Natal”, disse Elizabeth Couto, proprietária do espaço.

Couto informou que não tem sido fácil sobreviver e explica que clientes e empresários ficam confusos porque as regras estão sempre a mudar. “Graças a Deus os nossos clientes são muito fiéis e os fornecedores têm sido muitos compreensivos porque às vezes temos de adiar os pagamentos. O nosso senhorio também foi muito flexível e disse logo que queria aderir ao programa federal que financia uma parte da renda. Temos inspeções duas ou três vezes por semana e é muito difícil estar em cima da atualidade porque eu o meu marido trabalhamos sete dias por semana. Tivemos de aderir ao programa federal que paga metade do empréstimo de $40.000 e estamos a viver um dia de cada vez”, avançou.

A empresária diz que o seu restaurante já tinha uma esplanada privada, mas compreende a revolta dos empresários que não conseguem fechar a esplanada da via pública. “Não faz sentido nós podermos cobrir as nossas esplanadas e os restaurantes que aderem ao CaféTO não o poderem fazer. Cobrimos a nossa esplanada e garantimos que 75% do ar circula, arrendámos dois aquecedores grandes e afastámos e reduzimos as mesas para garantir a distância social. Não compreendo como um centro comercial pode ser seguro porque lá nunca entra 75% de ar fresco”, lamentou.

Questionada se estava a ponderar aderir aos novos apoios do governo de Ontário, Elizabeth Couto admite que uma forma de ajudar os empresários seria perdoar parte da taxa de consumo. “A fatura da eletricidade depois acaba por voltar a aumentar, mesmo que diminua durante algum tempo. A HST em Ontário é 13% e temos que pagar quatro vezes ao ano, se o governo perdoasse dois pagamentos era uma grande ajuda. Aderimos à DoorDash, mas tivemos uma má experiência, as entregas atrasaram e perdemos clientes, por isso não sei até que ponto é que vale a pena cortar as comissões das apps”, rematou.

A Federação Canadiana de Negócios Independentes (CFIB) acredita que até 225.000 pequenas empresas, cerca de uma em sete, podem fechar para sempre. Toronto tem cerca de 7,500 restaurantes e uma das iniciativas da autarquia para ajudar os empresários a manter algumas receitas foi o CaféTO. O programa esteve em vigor durante o verão e em outubro foi estendido pela autarquia de Toronto para permitir mais faturação duranta a época mais fria. O CaféTO autoriza que os empresários coloquem aquecimento nestas esplanadas, mas proíbem que se montem tendas a não ser que a esplanada esteja em área privada.

O programa mantém-se em vigor até à primavera de 2021 e os espaços não pagam mais impostos por isso. Em comunicado de imprensa, o presidente John Tory explicou que decidiu dar aos empresários a hipótese de terem uma licença para criarem uma nova esplanada ou aumentar uma esplanada que já existia antes da pandemia. Segundo dados da autarquia cerca de 621 restaurantes da cidade já se inscreveram no CaféTO. Cerca de 439 passeios da cidade foram ocupados por esplanadas exteriores, informa o município onde residem mais de 2,9 milhões de pessoas.

Milenio Stadium - Toronto - Restaurante Vila Verde (1)
Restaurante Vila Verde. Foto: DR

 

O Milénio Stadium falou com Maria Manuela Oliveira, do restaurante Vila Verde, localizado no 206 da Weston Road, que nos disse que a ideia de expandir as esplanadas funcionou no verão, mas que no inverno, com a necessidade de investir numa tenda e em aquecimentos, acaba por não ser rentável porque os clientes diminuíram. Em declarações ao nosso jornal a funcionária lamenta que os restaurantes estejam a ser impedidos de fazer o seu trabalho. “Acho que é injusto os centros comerciais servirem refeições e os restaurantes não o poderem fazer. Temos um salão enorme porque tínhamos muitas festas e com este espaço podemos criar distância social, mas mesmo assim não temos ordem para abrir porque Toronto está na área vermelha. Gostava que mostrassem as evidências que provam que as pessoas ficam doentes nos restaurantes. Um dia destes fui ao Costco e o supermercado estava cheio, toda a gente tinha máscara, mas não existia distância social. Os restaurantes desinfetam tudo e cumprem as normas que lhes são exigidas e mesmo assim não podemos servir refeições. Estamos só a tentar sobreviver e assim é muito difícil trabalhar”, informou.

O take-away foi a forma que a churrasqueira encontrou para conseguir pagar as despesas diárias e ainda assim tem de dividir os lucros com as aplicações de entrega de comida. “Acho que o governo de Ontário podia reduzir as comissões destas empresas para 15%, pelo menos durante a pandemia para ajudar os pequenos restaurantes a sobreviverem. Nós temos a Uber Eats e a DoorDash, mas 30% de comissão é muito porque os nossos clientes diminuíram. Agora o nosso objetivo é fazer receitas apenas para cobrir custos e impostos…”, adiantou.

No verão a outra localização do Vila Verde no 869 Dundas St W sofreu danos com um incêndio num prédio vizinho e desde então tem permanecido encerrada. Para já a hipótese de voltar a abrir o espaço não está em cima da mesa. “Na Dundas fazíamos catering para hospitais, sindicatos e bancos. Mas com o teletrabalho a verdade é que não se justifica, pelo menos para já, abrir mais uma localização. Estamos a sobreviver porque despedimos funcionários e temos o espaço da Weston Road senão não fazíamos suficiente para pagar a renda. Não queremos subsídios, queremos trabalhar”, referiu.

Oliveira disse à nossa reportagem que algumas pessoas não sabem cozinhar e outras não sabem como encomendar comida. “Algumas pessoas dependem de nós porque não sabem como preparar uma refeição. Um dos nossos clientes disse-me esta semana que alugava apenas um quarto e que não tinha cozinha em casa. Costumava vir ao nosso restaurante e jantava cá, agora tem de comer no quarto porque não podemos servir refeições no restaurante. Os portugueses mais velhos não dominam tecnologia e não sabem encomendar comida através de uma app”, revelou.

Quem trabalha no ramo pede mais educação e civismo porque “todos são humanos”. “A maioria das pessoas não imagina o quão difícil é cozinhar num restaurante com uma máscara o dia inteiro. No outro dia estava a atender uma cliente que me disse que eu devia ter vergonha porque a minha máscara não estava a cobrir o nariz. Comecei logo a chorar. Compreendo que as pessoas estejam assustadas e nervosas, mas nós também somos humanos e estamos a dar o nosso melhor”, admitiu a funcionária do Vila Verde.

Milenio Stadium - Ontario - Restaurante Flor de Sal
Restaurante Flor de Sal (Pátio). Foto: DR.

 

Cristina da Costa é proprietária do Flor de Sal, um restaurante mais vocacionado para uma experiência de degustação no próprio espaço, mas com a pandemia também foi preciso fazer ajustes. “A minha esplanada é muito pequena e o take away não é o nosso forte, no entanto estou grata pela adesão dos meus clientes que me têm apoiado e que continuam a vir almoçar e jantar. Reorganizámos a esplanada e fizemos dela um cantinho ainda mais acolhedor, mas tivemos de revezar os nossos colaboradores. Ainda não deixei ninguém em casa, mas está a ficar cada vez mais complicado”, contou ao nosso jornal.

A empresária do restaurante localizado na 501 Davenport Road lamenta o marketing contra a restauração e diz que existem outros setores onde a distância social é bem mais difícil de cumprir. “As restrições à COVID-19 que os restaurantes estão a ser obrigados a cumprir estão a ser manipuladas por governadores que têm dado provas de valentes dualidades de critérios. O Flor de Sal esteve sempre, ironicamente, preparado para a distância social, não percebo porque estamos a ser punidos. E a distância social no Costco, no Loblaws, no Fortinos e no TTC?”, avança.

A empresária está solidária com os centros comerciais e não vê razões para não operarem. “Os centros comerciais têm contas enormes para pagar no fim do mês e se estão sempre abertos e cheios porquê punir os restaurantes e encerrá-los? Não encontro nenhum motivo para que não possam operar”, disse.

O Milénio Stadium contactou o Ministério da Economia de Ontário que remeteu esclarecimentos para o Ministério da Saúde. O Ministério liderado por Christine Elliott explica que implementou restrições regionais a 7 de novembro, que incluíram Toronto como parte da área vermelha, mas informa que a 14 de novembro a autarquia de Toronto implementou mais medidas que proíbem o consumo interno de comida ou bebida em qualquer empresa, local, instalação ou estabelecimento. Essas medidas incluem lojas de retalho e centros comerciais. O que significa que os restaurantes continuam a poder servir refeições nas esplanadas e a servir take-out.

O governo de Doug Ford disponibilizou um pacote financeiro para ajudar empresas que precisem de encerrar ou restringir significativamente os seus serviços em setores de empresas que estão localizadas dentro das áreas vermelhas. O envelope financeiro é de $300 milhões e vai ajudar as empresas a enfrentar as restrições à circulação de pessoas. “As empresas nessas áreas vão poder solicitar reduções temporárias de imposto de propriedade e custos com eletricidade”, informa a província ao nosso jornal que assegura que existe “um portal único de inscrição online” onde os empresários podem inscrever-se para este apoio.
A designação de área vermelha mantém-se em vigor em Toronto pelo menos até 12 de dezembro.

Joana Leal/MS

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