Avós, netos, chá, bolinhos e um livro numa tarde de domingo
Aconteceu na Casa do Alentejo, no dia consagrado à celebração dos avós na América do Norte, o segundo domingo de setembro – foi apresentado o livro “Avós e Netos, Uma viagem de afetos”. Trata-se de mais uma iniciativa das escritoras Manuela Marujo e Aida Batista. Este já é o terceiro livro que organizam sobre esta temática, estimulando avós e netos a escreverem sobre os seus sentimentos uns pelos outros, dando-lhes assim a oportunidade de participarem numa obra marcada por relatos emotivos, divertidos e alguns mais tristes. A sala da Casa do Alentejo foi palco para apresentação do livro e a tarde encheu-se de pequenos recortes dos textos escritos pelos 10 avós ou netos residentes na Grande Área de Toronto e que puderam marcar presença no momento do lançamento do livro.
Manuela Marujo, para além de organizadora desta obra com um tema que considera inesgotável, deixou no seu texto publicado neste livro uma inquietação que acompanha a sua condição de avó imigrante.
“Eu interesso me particularmente pela situação do avô e da avó imigrante que enfrentam os mesmos desafios, que enfrentam os outros avós, mas também mais alguns. É que nós gostaríamos imenso de passar a nossa língua portuguesa aos nossos netos, mas enfrentamos tantos obstáculos que, a certa altura, é uma amargura, não é? É um desafio muito grande. Os netos crescem e estabelecem uma relação com os avós, que não tem nada a ver com a língua, mas tem tudo a ver, simplesmente, com o amor e toda a gratidão de ter um avô ou ter uma avó que tomou conta deles ou que cuida deles. E eu encontrei entre alunos universitários, alunos que não sabiam uma palavra de português, mas os sentimentos para o avô ou para a avó são iguaizinhos aos sentimentos dos outros.”
A Cônsul-Geral de Portugal, Ana Luísa Riquito, refletiu sobre o desafio de se estabelecer a comunicação em português, entre avós e netos que residem fora de Portugal.
“É um desafio que talvez deste lado do Atlântico tenha uma magnitude maior do que assumiu na Europa, porque o inglês, como língua franca do final do século XX e do século XXI, é realmente muito hegemónico. E as famílias não valorizaram uma educação bilíngue. Mas eu não imputo essa evolução às famílias, mas antes ao próprio sistema socioeconómico do país de acolhimento e ao próprio sistema escolar. É muito confortável ter filhos e netos de comunidades imigrantes que apenas dominam uma língua e que são preferencialmente destinados a carreiras escolares relativamente modestas. Isso está a modificar-se, mas penso que essa é uma das razões pelas quais o português não se manteve. Era necessário arranjar um modo de vida, um modo de vida que permitisse o sustento material. E isso era menos compatível com o cultivar uma segunda língua.”
Clara Abreu, uma das avós que aceitou o desafio de escrever sobre os seus cinco netos, estava particularmente satisfeita por ter correspondido ao convite e explicou-nos porquê.
“Foi muito interessante porque já tinha sido convidada para participar noutros livros, mas por um motivo ou outro, não tinha sido possível. Desta vez fiz um esforço, até porque acho que é uma memória que fica interessante para os meus netos lerem um dia. Um dia, pus mãos à obra e fui deixando falar o coração que, ao fim ao cabo, é a linguagem mais comum nas avós, não é? Era a linguagem da minha avó, da minha bisavó, de uma outra avó também. E, portanto, é a linguagem que eu gosto de ter com eles. Com alguns agora já só mais em inglês… lá misturo umas palavrinhas em português e assim, de certa forma, eles lá vão palmilhando e entrando um bocadinho na nossa língua portuguesa. Agrada-me muito o papel de avó. Tenho pena de não ter sido até mais cedo, mas de qualquer das formas, ainda tenho um bocadinho de energia para lhes dar e, sobretudo, muito carinho e muito amor também.”
Manuel da Costa, que também deixou nesta obra o seu testemunho, mostrou-se particularmente satisfeito com a tarde passada na Casa do Alentejo e disse-nos porquê.
“Este é um exemplo de encontros, desta vez literários, em que se veem cá crianças. É muito importante que isto aconteça. Nós temos que olhar para o futuro e trazer crianças, envolvê-las, expô-las a estas coisas. Talvez assim ganhem um pouco de interesse pela cultura portuguesa. Neste caso, acho que o mais importante é mesmo esta interação entre os avós, os netos e os pais. Eventos como este transformam-se numa espécie de extensão do que eles têm em casa, mas uma tarde como esta mostra-lhes como as suas vivências e a sua maior ou menor dificuldade em estabelecer a comunicação em português entre si, é comum a outras famílias. Há mais avós a sentirem essa frustração, há mais crianças e jovens a sentir a mesma dificuldade com o português. É muito importante que percebam que esta situação não é exclusiva da sua casa, da sua família, que há outras pessoas a sentirem o mesmo. Eu penso que isso é muito importante.”
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