Adeus, Dona Francelina Torres
“Cada vez que morre um idoso, perde-se uma biblioteca”. (provérbio indiano)
Foi meu privilégio ter conhecido a Dona Francelina Torres e nos termos tornado amigas. Gostava muito de passar horas a conversar com ela, ouvi-la falar dos seus tempos de criança em São Miguel, do seu amor pela aprendizagem, pela escola que a fascinava e que, há 96 anos, não era acessível a meninas como ela.

Aprendeu, com o tempo, a ler e a escrever o suficiente para folhear jornais, revistas e até livros. Era uma pessoa informada, que se interessava pelo que se passava no Canadá, em Portugal e, em particular, nos Estados Unidos, onde viviam dois filhos e noras, cinco netos e cinco bisnetos muito queridos.
Viajava sozinha para a América, sem receio de não se conseguir fazer entender no seu limitado domínio do inglês. Fez a última viagem há dois anos, para comemorar os seus 94 anos. Quando lhe perguntei se não tinha medo de andar de avião, mudar de aeroporto, e perder-se no meio de toda aquela movimentação, ela respondeu, sorridente: “Toda a gente é sempre muito simpática, toda a gente ajuda, e eu quero é ir ver os meus queridos enquanto puder”.
A sua curiosidade, vontade de saber e inteligência ajudaram-na a dominar a tecnologia. Nos últimos anos, com menos mobilidade, passava muito tempo entretida no Facebook com o seu Ipad, que lhe abriu as portas da comunicação com a família nos Açores e nos Estados Unidos. Era uma entusiasta desta rede social, de que sabia tirar todo o partido, conversando com os amigos no Messenger, fazendo comentários a fotografias, e colocando muitos “gosto”. Encontrei-a em várias alturas no Cortejo do Dia de Portugal, na Casa dos Açores e na Procissão do Senhor Santo Cristo, a usar o seu Ipad para fotografar o que mais gostava.
Para mim, a Dona Francelina simbolizava a minha mãe distante, que não podia ver com a desejada frequência. Levei várias vezes as minhas netas a sua casa para lá passarem um bocadinho, e estas adoravam visitá-la. Nem uma única vez em que as convidei a ir tiveram qualquer hesitação – iam sempre entusiasmadas. Sentiam o carinho, a alegria dela e isso fazia-as querer voltar.
Eu atribuo a minha profunda admiração pelos mais velhos ao facto de ter nascido e crescido numa aldeia, ter convivido com pessoas de idade desde pequenina e aprendido a respeitar os saberes dessas pessoas. Percebi muito cedo que as experiências da vida dão conhecimentos que nenhuma escola pode dar e que, ao ouvirmos aqueles que viveram mais anos do que nós, aprendemos muito, pois eles são como livros abertos.
Vou sentir muito a falta da minha amiga e professora Francelina Torres. Ficarão na minha lembrança a sua alegria, otimismo e gosto pela vida. Tenho a certeza de que envelhecer rodeada de amor dos seus três filhos, noras queridas, restante família e amigos foi fundamental para a vida plena que teve.
Adeus, amiga Francelina, já sinto saudades.
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