Comunidade

“A prazo vamos ter de eliminar o procurador fiscal porque cria dificuldades às pessoas que estão longe”

José Cesário é deputado deste 1983 e agora volta a candidatar-se pelo PSD ao Círculo Fora da Europa. José Cesário nasceu em Viseu, tem 61 anos e já foi secretário de Estado das Comunidades nos Governos de Santana Lopes, Durão Barroso e Passos Coelho. Em entrevista ao Milénio Stadium, Cesário acredita que a sua vasta experiência ao serviço das comunidades vai fazer a diferença a 6 de outubro (próximo domingo). 

Milénio Stadium: O que é que está em jogo nestas eleições – a diáspora vai às urnas ou a abstenção vai ser histórica?

José Cesário: Para as nossas comunidades está em causa percebermos se vamos ter efetivamente maior participação eleitoral do que temos tido até aqui. Até ontem (25 de setembro) na Europa já tinham chegado mais votos do que tivemos nas últimas eleições.

Os votos de fora da Europa ainda não tinham chegado, mas estamos a falar de correios de países com mais problemas. Vamos ter um aumento significativo no número de votantes, o que não significa que no final tenhamos mais votos do que nas últimas eleições. Nessa altura tínhamos praticamente 300,000 eleitores no total dos dois círculos das comunidades, agora são 1,500,000.

Teríamos ainda mais se o sistema de voto eletrónico fosse próximo das pessoas, porque ter um voto eletrónico meramente presencial, em urna, nos consulados, não resolve o problema.

Milénio Stadium: Portugal tem conseguido estar próximo da diáspora ou ainda há muito a fazer?

José Cesário: Nem sempre. Ao longo destes 45 anos de democracia fomos dando muitos passos no sentido de estreitar essa relação. Algumas medidas foram bem-sucedidas, como por exemplo o canal de televisão RTP Internacional ou as várias alterações à lei da nacionalidade.

A nível consular a rede melhorou em  relação ao atendimento, mas agora os equipamentos estão mais degradados e o número de funcionários foi reduzido.

Milénio Stadium: Os imigrantes queixam-se da burocracia do Estado português.

José Cesário: Muitos deles têm razão, mas há exceções. Os imigrantes ou os luso-descendentes quando visitam Portugal têm um período de tempo muito limitado para resolver problemas. Algumas estruturas não estão adaptadas, às vezes nem os próprios funcionários têm a sensibilidade para perceber estas especificidades.

Acho que neste aspeto as câmaras municipais são extremamente importantes, por isso é que criámos os gabinetes de apoio ao imigrante e hoje já existem cerca de 140, mas é desejável que todos os municípios os tenham, inclusive algumas freguesias.

Em 2012 criámos as novas permanências consulares com equipamentos novos nos Consulados para facilitar a vida às pessoas. Os serviços foram desenvolvidos por uma empresa portuguesa que agora os vende para todo o mundo. Passámos a prestar um dos serviços mais modernos do mundo em termos de atendimento consular. Antes as pessoas gastavam centenas ou às vezes milhares para ter um simples documento, sou muito sensível a estes casos.

Eu nasci e vivo em Viseu e na minha região sei muito bem o contributo que as comunidades portuguesas dão para o nosso desenvolvimento. Mas também sei que poderia ser muito mais se de facto as câmaras municipais fizessem esse acompanhamento.

A prazo vamos ter de eliminar o procurador fiscal porque cria dificuldades às pessoas que estão longe.

Milénio Stadium: No Canadá temos cerca de 50,000 eleitores distribuídos por uma área muito dispersa.

José Cesário: A rede consular tem algumas lacunas porque nos últimos anos houve um fluxo migratório que não se fixou nos locais onde temos a generalidade da rede. Em Edmonton, Calgary, por exemplo, julgo que há necessidade de criar uma nova estrutura, não quer dizer que seja um Consulado, talvez uma estrutura consular.

Temos os quatro postos de carreira – Otava, Toronto, Montreal e Vancouver – mas com as permanências consulares é possível cobrir uma série de comunidades. Em Ontário, até há pouco tempo, havia uma presença regular dos nossos funcionários, com os tais equipamentos móveis em cidades como London, Kingston, Thunder Bay, Winnipeg, Kitchener, Cambridge e Leamington. Mas hoje sei que essa rede tem falhado muito. Em Macau é mais fácil trabalhar, são seis  Km2, está tudo ali, existem cerca de 100,000 pessoas com nacionalidade portuguesa. No Canadá é diferente, daí que tenhamos de ir de encontro às pessoas. Hoje, por razões de segurança, os países trocam informações e os documentos têm de estar atualizados. 

Milénio Stadium: As pessoas queixam-se da rigidez do horário dos consulados.

José Cesário: O regulamento consular prevê vários tipos de horário, por princípio o horário não deve ser contínuo. Mas há casos em que se pode justificar, quando uma permanência consular se faz a um fim-de-semana, e já tivemos casos desses. O ajustamento é feito em função da gestão local e o chefe do posto aí é fundamental. Justifica-se numa determinada cidade termos um serviço externo de vistos ou um call center Tudo começa pelo chefe de posto, ele é que tem de dizer, logicamente que tem de ser articulado com Lisboa.

Milénio Stadium: As associações representam a cultura portuguesa no estrangeiro, mas a maioria sobrevive com dificuldades. Os apoios do governo deveriam ser maiores?

José Cesário: O associativismo no estrangeiro tem um potencial enorme, estamos a falar de pelo menos 3,000 associações espalhadas pelo mundo.

Sei que grande parte dos dirigentes associativos está com uma idade muito avançada e já vi associações morrerem por causa disso. Trabalho na área das comunidades há mais ou menos 19 anos e nem sempre houve capacidade para fazer esse rejuvenescimento. É indispensável haver um acompanhamento político do governo e há instrumentos de apoio, muitas vezes as pessoas desconhecem. Todos os governos os tiveram, mas é verdade que nestes últimos anos houve uma redução desse apoio, sobretudo nos últimos quatro anos.

Precisamos de mais luso-descendentes envolvidos no movimento associativo. Nós trabalhámos de perto com jovens líderes locais com capacidade de mobilização. Levámo-los a Portugal e procurámos que eles trabalhassem em rede porque o português é cronicamente individualista e às vezes este trabalho tem de ser induzido.

Milénio Stadium: Quais são os desafios do círculo Fora da Europa?

José Cesário: A situação das comunidades da América do Norte é muito diferente das comunidades da América do Sul ou de África, onde existem casos sociais de uma gravidade extraordinária. Se formos a qualquer um destes países – Venezuela, Argentina, Brasil, África do Sul, Angola, Moçambique – encontramos situações muito críticas. As desigualdades socias são gigantes, alguns são muito ricos e bem-sucedidos e outros são muito pobres, às vezes a pobreza é extrema.

No Canadá, EUA e França é diferente e encontramos eleitos nos Parlamentos nacionais, às vezes membros do governo, eleitos a nível local, presidentes de câmaras. Aqui as comunidades são mais influentes, mas os níveis de participação são ainda baixos.

A realidade é muito multifacetada porque os grandes sucessos coexistem com casos de muita pobreza.

Milénio Stadium: As novas gerações estão mais informadas e politizadas e alguns jovens perderam a confiança na política ou até nos políticos de uma forma geral.

José Cesário: A imagem de Portugal hoje é completamente diferente da que existia há 45 anos e hoje qualquer jovem gosta de Portugal. Quando comecei a trabalhar com as comunidades, dentro e fora da Europa, encontrava muitos jovens que me diziam que estavam a aprender português e que nem gostavam de Portugal. Este sentimento quase que desapareceu e isso deveu-se a fenómenos como o 25 de abril de 1974 e a entrada para a União Europeia em 1986. Passámos a ter mais recursos financeiros e a livre circulação de pessoas. Temos portugueses em grandes posições que são a prova de que houve grandes mudanças. O António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas; o Durão Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia e o Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, são exemplos disso.

O jovem luso-descendente, neto de portugueses, que até há quatro anos não podia ter acesso à nacionalidade portuguesa hoje tem. Esta mudança na lei da nacionalidade foi uma proposta do PSD e é um exemplo concreto de que por vezes a política surte efeitos. Agora falta simplificar o processo para os cônjuges de portugueses.

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