70 Anos no Canadá

Portugal no Canadá – 70 anos de história – parte 2

 

70 anos de história (1) - milenio stadium

 

Logo após os primeiros grupos de imigrantes portugueses terem desembarcado em Halifax em 1953, as autoridades portuguesas e canadianas continuaram as negociações encetadas no ano anterior, a fim de estabelecer novos contingentes de imigrantes portugueses para o ano seguinte. Apesar de alguns contratempos e dificuldades iniciais na sua colocação, o primeiro grupo experimental foi considerado um sucesso.

Nos anos seguintes, milhares de homens foram selecionados, tanto nas Ilhas como no Continente, desembarcando não só nos portos de Halifax e Quebec City, como nos aeroportos de Toronto, Montreal e Vancouver. E a partir daquele ano, sem interrupção, iniciava-se o novo movimento migratório para o Canadá, onde inúmeras comunidades portuguesas se viriam a estabelecer graças à ininterrupta chegada desses contingentes na década de 60 e do reagrupamento familiar que se iniciou nesta altura e se expandiu pela década de 70.

Na minha rubrica de hoje, gostaria de fazer uma reflexão sobre as tentativas feitas, desde a minha chegada, para unir esforços e defender os interesses da comunidade com uma voz que fosse ouvida pelos líderes e instituições da sociedade canadiana que nos recebeu.

Os portugueses a organizarem-se, os canadianos a descobrir-nos, os políticos a aliciar-nos! 

Em 1968, a comunidade portuguesa de Toronto estava ainda no seu primeiro estágio de desenvolvimento. Em números que não ultrapassariam os 25 mil, os portugueses, na sua maioria com limitados conhecimentos de inglês, tentavam inserir-se o mais harmoniosamente possível no meio ambiente de uma cidade em acelerada mudança. Mas no seio dessa comunidade em embrião, era evidente que uma luta interna se começava a desenhar entre uma mentalidade conservadora, trazida da pátria portuguesa não democrata, e uma camada mais jovem que observava a sociedade canadiana à sua volta e rejeitava a mentalidade salazarista de lidar com os problemas sociais.

Em maio de 1969, centenas de portugueses fizeram uma manifestação contra a polícia de Toronto que matou a tiro um jovem português madeirense, Ângelo Nóbrega. Um produtor de programa radiofónico, José Rafael, organizara a marcha silenciosa pelas ruas de Toronto, em protesto pela maneira como a polícia atuou. Trabalhava eu nessa altura para “O Jornal Português”, propriedade do Padre Alberto Cunha que me recrutara como adjunto de Fernando Pedrosa a quem instalara como diretor e seu testa de ferro. Recordo-me vivamente de ter sido proibido de cobrir o evento, mas nesse dia perdi o medo do patrão e da polícia, dando os primeiros passos a caminho da minha educação política, inexistente em Portugal.

A morte deste jovem português galvanizou também muitas centenas de jovens e alguns membros da comunidade portuguesa de Toronto. Os nossos vizinhos “canadianos” começavam igualmente a aperceberem-se da nossa presença junto dos italianos e gregos. O Toronto Star e o Globe publicavam pela primeira vez imagens dos nossos meninos brincando no Denison Square Park. As mães e avós balançando alcofas exóticas na cabeça são vitrinas para os curiosos sociólogos estudarem. Chegara a nossa vez, os portugueses imigrantes ordeiros e bons trabalhadores.

Já havíamos dado as mãos para nos organizarmos com a preocupação de manter a nossa identidade cultural e dar continuidade às nossas práticas recreativas com a criação do primeiro clube – First Portuguese -, a Casa da Madeira e o Clube da Nazaré.

Depois daquela tragédia porém, reconheceu-se a necessidade de criar uma organização de cúpula que pudesse ter uma voz forte e defendesse os interesses do nosso grupo minoritário, perante as forças da sociedade canadiana. Todavia o desafio viria a ser gigantesco. A ideia inicial de criar essa organização fora impulsionada por gente ligada à política e de oposição a Salazar. E foi logo abortada à nascença por falta de apoio das duas vozes que mais influência tinham no seio da comunidade: o “Correio Português” – submisso ao cônsul português e ao embaixador Eduardo Brazão e o “Jornal Português” criado como segundo púlpito para o seu proprietário, incondicional apoiante do Estado Novo. Para meu regozijo pessoal uma terceira voz inovadora, o jornal “Novo Mundo”, viria a estabelecer-se na jovem comunidade, graças a um recém-chegado imigrante algarvio, Pina Fernandes. Durante alguns anos pareceu que a comunidade ia ter um jornal alternativo e oposto ao regime vigente de Salazar, mas foi sol de pouca dura e Pina Fernandes desistiu da luta e regressou a Portugal.

Quando me apercebi que a Igreja se tinha unido tão descaradamente à política, afastei-me da paróquia de Santa Maria e da vida comunitária à sua volta. A minha rebeldia natural da juventude e a entrada na faculdade ajudaram-me a crescer politicamente e a cortar as amarras sistémicas do catolicismo. Depressa compreendi então que os nossos líderes comunitários estavam na sua maioria associados aos partidos políticos conservadores do Canadá e não tinham preparação, nem a prática democrática, para nos representar perante uma sociedade economicamente poderosa e politicamente mais sofisticada, onde a nossa gente, acabada de chegar, era a classe trabalhadora que se dedicava aos empregos servis e tarefas domésticas pior remuneradas. Quem defendia então os interesses dessa gente acabada de chegar? Organizações canadianas de ajuda aos imigrantes, como a “Casa de S. Cristóvão”, (St. Christopher (settlement) House), alguns vereadores e deputados de partidos mais progressistas como Dan Heap e outros que infelizmente nunca foram reconhecidos dignamente como mereciam.

À medida que a comunidade se expandia, nasciam novos clubes e associações em grande parte canalizadas para fins de convívio social e de cariz bairrista, apelando quase sempre às cores clubistas dos seus fundadores. Assim nasceu o do Benfica e do Sporting, do Algarve e dos Açores, do Alentejo e do Minho. A tal organização de cúpula foi tardando, mas eventualmente também fomos capazes de nos unir em solidariedade para com os membros menos favorecidos da comunidade.

Da Casa de S. Cristóvão, nasceria o Portuguese Free Interpreters Services. Em instituições canadianas como o YMC, estabelecido desde 1851, criámos serviços para portugueses na zona das ruas Dovercourt e College. Foi aí que nasceu o Movimento Comunitário Português onde me envolvi voluntariamente, ajudando em várias tarefas que davam, à nossa gente recém chegada, orientação, advocacia, informação e acompanhamento grátis.

Os homens da construção tiveram oportunidade de se juntarem às fileiras dos muitos italianos que já tinham conseguido boas condições de trabalho nos sindicatos existentes, tais como a Local 506 e a Local 183. As mulheres portuguesas todavia, tiveram um percurso mais difícil nos primeiros anos, pois a indústria dos têxteis e das limpezas não tinham os mesmos benefícios. Quando, do outro lado do Atlântico, deflagrou a revolução dos cravos, a 25 de Abril de 1974, o terreno em Toronto estava fértil para elas aderirem aos apelos e iniciativas de mulheres ativistas como a Sidney Pratt da Casa S. Cristovão que as galvanizou para desafiar as entidades patronais, quando foram discriminadas e mesmo despedidas. Essa luta sindical não era tão “sexy” como os inúmeros desafios de futebol ou como as competições de Miss Portugal que enchiam os nossos clubes. Por isso a sua cobertura mediática deixou sempre muito a desejar. Foi então que criámos o nosso próprio jornal, ‘Comunidade’. Inicialmente produzido por dezenas de voluntários que aderiram ao Movimento Comunitário Português do YMCA, este jornal foi um farol que, durante meia dúzia de anos, iluminou e deu visibilidade a essa luta das mulheres portuguesas imigrantes. Foi ainda uma escola de ativismo que inspirou muitos jovens como eu.

Relativamente ao antigo sonho de podermos falar com uma voz, unindo-nos à volta da tal organização de cúpula, para termos mais visibilidade perante a sociedade canadiana, esse parece cada vez mais uma quimera.

(Algumas vozes da nossa comunidade têm, ao longo dos anos, insinuado que a Federation of Portuguese Canadian Business & Professionals, incorporada em 1981, foi a realização desse sonho. Se as tais mulheres da limpeza voltassem a ter de enfrentar a “Modern Building Cleaners” ou o “Ministry  of Government Services” do Ontário como na década de 70, de que lado estaria a Federação?)

Na década de 80, uma nova tentativa de reunir os clubes portugueses e associações do Ontário, à volta de um organismo de cúpula, teve algum sucesso, mas não conseguiu atingir os seus objetivos principais, acabando por reduzir o seu papel a organizar as festas do Dia de Portugal.

Em 1992, quase 40 anos depois da nossa chegada a este país, conseguimos finalmente incorporar uma organização chamada o Congresso Luso Canadiano/Portuguese Canadian Congress. Que é feito dele?

Há mais de meio século, era eu um jovem ingénuo a bater o pé ao Padre Cunha e a caminhar na manifestação silenciosa contra a polícia. E todos nós prometemos nesse dia mudar o mundo. Como foi possível termos falhado a nossa juventude?

Domingos Marques

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