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Um ano de pandemia

Entre março de 2020 e março de 2021 não se passou apenas o período de 365 dias. Uma mudança muito mais profunda e complexa, e ainda em andamento, aconteceu na sociedade mundial. Na semana passada, em 11 de março, completou um ano desde que a Organização Mundial da Saúde decretou que o mundo vivia a pandemia de Covid-19. Para simbolizar essa data, aqui no Canadá, o primeiro-ministro Justin Trudeau designou o 11/03 como “National Day of Observance for COVID-19”, um dia de homenagem a todos os que morreram vítimas da doença. Na última quarta-feira (17/03), também fez um ano em que o Premier de Ontário, Doug Ford, declarou o primeiro estado de emergência.

Um vírus até então nunca identificado chegou e mudou a vida de toda a população e, apesar de já termos vacinas de diferentes laboratórios farmacêuticos sendo fornecidas a parte da população mundial, ainda não existe previsão de quando aquela versão do que era “normal”, como conhecíamos, voltará, e se de fato, isso algum dia irá acontecer. São tempos de mudanças de comportamento, normas de saúde, regras sociais, entre tantas outras adaptações que foram e ainda são necessárias. Nenhuma autoridade sanitária, organização de saúde ou governo poderia prever que esse vírus perduraria por tanto tempo, traria consequências tão devastadoras à vida de milhares de pessoas… e os números sempre que apresentados, são alarmantes. Ao redor do mundo, até o fechamento desta edição, já se contabilizam mais de 2 milhões e 680 mil mortes, além de outras milhares de pessoas infectadas. No Canadá já foram registradas mais de 22 mil e 500 mortes.

A Covid-19 não poupou ninguém. Alguns sofreram mais, perderam familiares ou amigos, saúde, empregos, rendimentos…outros foram menos impactados, mas ainda assim, não saíram ilesos. Nossa equipe entrevistou algumas pessoas da comunidade para tentar entender o que mudou na vida delas durante esse período simbólico de um ano, seja no âmbito familiar ou profissional e o que esperam para o futuro.

Lizandra Ongaratto/MS

milenio stadium - um ano de pandemia2

 

Juliana Argolo

34 anos, educadora de infância

Juliana se preparava para retornar ao trabalho em uma creche de Toronto, onde atuava como assistente da professora, quando a pandemia foi declarada. Por mais quatro meses adiou o retorno profissional: “Foi muito difícil, ficar trancada em casa por todo esse tempo, com uma criança pequena, sem contato com familiares ou amigos. Uma grande angústia”.

E assim que voltou ao trabalho, em uma creche em Toronto, ela encontrou uma situação bem diferente daquela de quando entrou em licença. O uso de máscaras e óculos de proteção são obrigatórios e os protocolos de higiene mais rigorosos: “Por incrível que pareça as crianças se acostumam muito rápido com as mudanças, tanto que chama atenção deles, e param para olhar, quando temos que tirar a máscara para beber água, por exemplo. Do contrário já estão acostumados, em especial os menores que já nasceram em meio a essa pandemia”. Além disso, diversas atividades pedagógicas foram adaptadas ou até mesmo cortadas: “Uma das coisas que acho mais difícil, no contexto da aprendizagem, é não poder cantar músicas com as crianças, justamente porque nessa atividade a quantidade de partículas de saliva expelida é muito alta, o que torna essa atividade não recomendada”.

A vacina é para ela a esperança de dias melhores e da possibilidade de visitar a família: “Para mim a vacina significa poder viajar, ver a minha família no Brasil. Minha formação acadêmica é como bióloga, então acredito muito na ciência”.


Angelo Da Costa

64 anos, empresário

“Um dia de cada vez. Vamos enfrentando essa batalha como podemos, e ao fim, tudo voltará ao normal”. O pensamento positivo acompanha esse empresário de um dos setores que mais foi afetado pela pandemia. Agnelo da Costa, de 64 anos, dono do restaurante “Piri Piri” em Toronto, já atua nesse ramo há cerca de 30 anos, mas conta que nunca havia vivido nenhum momento como este: “Já passei por muitas crises, mas nada parecido com esta atual”.

De acordo com ele no início da pandemia o estabelecimento ficou totalmente fechado por um mês e meio, e depois foi reaberto, com novas medidas de segurança e oferecendo apenas os serviços de delivery e take out. “Essa é a maneira de continuarmos trabalhando, mas isso representa apenas 10% do volume de vendas que costumávamos ter, é muito pouco”. Desde outubro de 2020 que os 250 lugares do amplo espaço do restaurante estão totalmente desocupados.

“O prejuízo e muito grande, calculo que em torno de 180 mil dólares nesses últimos seis meses”. Apesar da queda das vendas e do faturamento, o empresário manteve o máximo que pôde dos funcionários mesmo que alguns tenham tido horários de trabalho reduzidos. A expectativa é de que em breve, com as temperaturas mais agradáveis, as esplanadas sejam reabertas e aos poucos, os negócios e a vida normal, vão sendo retomados: “Vamos nos levantar, com as vacinas isso tudo vai acabar”.


Fernando Ferreira

Representante de vendas – Re/Max Ultimate Realty

Se por um lado a pandemia afetou negativamente muitos setores da indústria, outros somaram nesse período faturamentos e vendas recordes, foi o caso do setor imobiliário.

Fernando Ferreira, que atua há anos na área, fala que foram necessárias muitas mudanças e adaptações para continuar atendendo os clientes: “O que mais mudou foi a maneira dos apontamentos para ver casas, era necessário preencher formulários da Covid 19, não tocar nas portas, nem nas luzes das casas que estávamos visitando, usar máscara e luvas além de desinfetar tudo que tocávamos. Fora isso, não pudemos mais realizar open houses, o que era frequente”. Mesmo com as restrições o setor imobiliário foi um dos que mais lucrou durante esse um ano de pandemia e os números mostram isso. “Tivemos um aumento de 52% no número de vendas de casa, entre fevereiro de 2020 e de 2021.

Nesse mesmo período o valor desses imóveis na GTA subiu cerca de 15%”, diz Fernando. Os juros mais baixos, as poucas casas disponíveis e o aumento da procura, além da questão da implantação do home office, tudo isso provocou esse aumento, acredita ele. E na vida social, confia que o avançar da vacinação devolverá a tranquilidade às pessoas: “Alguns hábitos vão permanecer por algum tempo, mas aos poucos as pessoas vão retomar a confiança”.


André Moura

33 anos, cozinheiro

Como muitos outros imigrantes no Canadá, André Moura, morador de Hamilton, de 33 anos, trabalha duro para se manter no país e atua em mais de uma área profissional. Além de trabalhar como cozinheiro em um restaurante também atende clientes em casa e exerce outro talento: o de cabeleireiro.

Como se pode imaginar a pandemia afetou diretamente André nas duas ocupações. Com o restaurante fechado ao público, e oferecendo apenas os serviços de take out e delivery, teve as horas de trabalho reduzidas e o rendimento também. Além disso, durante o isolamento por uma questão de segurança, não recebeu clientes como cabeleireiro.

“No trabalho existe sempre a incerteza de estar ou não empregado”. Se no âmbito profissional a situação foi difícil no pessoal ele faz uma análise mais positiva: “Com tudo que aconteceu tive mais tempo para ficar junto da família, e avaliar o que de fato é o mais importante na vida. Tentei não deixar me abater e não deixar o pessimismo e o sentimento de incapacidade perante a situação me colocassem para baixo!”.

A sensação de ter perdido a liberdade incomodou bastante: “Acho que o fato de você ser livre, poder ir aonde quiser sem restrições, poder abraçar sem medo, conversar com qualquer pessoa, isso faz falta. Quando tudo passar, o que eu farei com certeza será viajar e aproveitar cada minuto de liberdade e sem restrições”.


milenio stadium - um ano de pandemiaTatiane Ribeiro

Doutora e pós-doutoranda no departamento de Bioquímica e Ciências Biomédicas na McMaster University

Tatiane, o marido e o filho recém-nascido haviam chegado de uma viagem de visita à família no Brasil, quando o primeiro lockdown foi decretado pelo governo, o que a bióloga não esquece: “A princípio foi um choque e bateu um certo desespero, assistir os noticiários e ver praticamente uma imagem dos filmes de ficção científica com um tom apocalíptico. Como trabalho com Pesquisa Científica na McMaster University procurei desde o início informações do Governo Federal e de Ontário para tentar seguir as regras (que foram tantas) e tentamos nos manter unidos em casa desde o início e diminuir o convívio social com amigos praticamente para zero. Foi bem difícil se distanciar de tudo e todos”.

Depois de ter ficado por cinco meses trabalhando em home office, voltou a ir ao laboratório de pesquisas, mas com escalas alternadas: “A pior parte em retornar ao trabalho foi o receio de trazer o vírus para casa, pois nosso filho teve pneumonia causada pelo vírus Influenza B e mesmo curado, nosso médico de família nos colocou em modo de alerta”. A falta de contato com os amigos, e não ter previsão de quando poderão retornar ao país natal para visitar a família é o mais difícil dessa época de incertezas. “Infelizmente esta pandemia vai deixar marcas nas pessoas, acredito que nunca mais teremos uma “vida normal” como conhecíamos antes, mas acredito que as coisas serão diferentes no “mundo pós-pandemia” não só no sentido negativo, mas também no positivo.

“Devido à necessidade de adaptação rápida para continuarmos trabalhando e vivendo nossas vidas remotamente, muitas possibilidades surgiram. Certamente a tecnologia, ciência e a medicina tiveram um grande avanço em um curto período de tempo, possibilitado pelo aumento do investimento financeiro, portanto, acredito que se algo semelhante acontecer novamente em um futuro próximo estaremos mais bem preparados”, diz ela.


Tony Carvalho

vendedor da Applewood GM Cadillac

Tony Carvalho, de 53 anos, é vendedor em uma concessionária de veículos em Mississauga e no último ano bateu recordes de vendas. “Não poderíamos prever ou imaginar que tantas pessoas comprariam mais carros ou fariam melhorias naqueles que têm, nesse período. Foi uma surpresa. Eu, por exemplo, tive um aumento de vendas de cerca de 25% nesse ano”, analisa Tony.

Mesmo durante o período mais restrito de confinamento, a loja nunca esteve totalmente fechada. A área de manutenção permaneceu aberta e as vendas de carros foram realizadas online.

“Acho que muitas pessoas seguiram trabalhando, de casa, e como não é possível gastar em viagens ou algo do gênero, resolveram investir esse dinheiro nos veículos da família, garantindo mais conforto ou luxo”.
Se no caso dele os negócios não foram afetados negativamente, o convívio com amigos e familiares, foi: “Sinto falta de ver os meus amigos e filhos com mais frequência. Do lado pessoal todos saímos perdendo”.


Dominique Descoeurs

25 anos, estudante enfermagem

“Eu realmente acredito que os enfermeiros são a espinha dorsal do nosso sistema de saúde. E assim como qualquer outra doença infecciosa pode ser assustador se expor a essas doenças. Eu tenho sorte de ser jovem, saudável e não ter familiares próximos com doenças graves. Mas não é nem preciso dizer que conheço muitas enfermeiras que estão receosas de ir trabalhar todo o dia. Especialmente aquelas que estão grávidas ou que têm mais idade”.

Dominique Descoeurs, de 25 anos, vai concluir o curso de enfermagem daqui a poucos meses. No dia-a-dia já atuava em hospitais e outros centros de saúde e destaca que desde o surgimento da Covid-19 houve um reforço nos protocolos e equipamentos de proteção para preservar a equipe, mesmo assim, é inevitável que nesse contexto de pandemia, os profissionais que trabalham nesses ambientes se sintam mais vulneráveis.

No entanto Dominique sabe que essa é a realidade da profissão que escolheu, por isso faz o seu melhor para cumprir a função de ajudar aqueles que estão doentes e que mais precisam. A estudante de enfermagem já foi vacinada, o que segundo ela: “não muda o quão segura me sinto no ambiente de trabalho. Apenas quando a vacina chegar à população em geral, aí sim, é que fará a diferença”.

Desde o início da pandemia as aulas presenciais foram substituídas pelas online e os contatos e troca de experiências entre colegas ficaram mais difíceis. A tão aguardada cerimônia de graduação será também virtual, o que ela admite ser frustrante: “Depois de trabalhar tanto tempo para conquistar algo existe um orgulho de poder celebrar com os familiares, colegas, amigos, mas nessa situação isso não será possível, não da maneira convencional”.


Luciene Lacroix

44 anos, farmacêutica

“Como farmacêutica e por atuar numa área considerada um “hot spot” de Toronto, recebi a vacina contra a Covid-19 no início deste mês. Mesmo assim não posso baixar a guarda”. As palavras são de uma profissional dedicada e incansável. Desde o início da pandemia, a farmácia onde Luciene Lacroix, de 44 anos, trabalha nunca fechou e seguiu recebendo o público.

“As minhas responsabilidades como farmacêutica se multiplicaram nessa pandemia”. Ela conta que os primeiros dias e meses desde o aparecimento do vírus foram os mais difíceis, afinal era preciso de adaptar com rapidez a uma série de novos protocolos de segurança, lidar com vários pacientes preocupados e com dificuldades de acesso a seus médicos, além das mudanças de protocolos profissionais. Mas passado um ano, ela diz que o esquema de trabalho já está mais ajustado, “estamos num esquisito estável”, como define.

Se no ambiente profissional a demanda aumentou e alterações foram necessárias, no familiar não foi diferente.
Casada e mãe de dois adolescentes, de 13 e 14 anos, ela conta que as regras de higienização em casa também são cumpridas com rigor, tudo para preservar a saúde da família: “Minha vida social é inexistente. É difícil, mas prefiro assim, para assegurar a segurança daqueles que amo” e acrescenta: “Se houve algo que tivemos que aprender nesse um ano foi que perdemos direitos individuais em prol do coletivo”.

A farmacêutica deve receber a segunda dose da vacina daqui quatro meses, e acha que depois que toda a população estiver imunizada a situação vai melhorar, mesmo que isso não represente a eliminação desse vírus.

 

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