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Obesidade: uma doença mais mental do que física

Desde o início da pandemia vimos o nosso estilo de vida mudar. Passamos mais tempo em casa, mais tempo sentados e transformámos os nossos hábitos. Os médicos e especialistas têm alertado para o aumento de casos de obesidade, especialmente com a mudança da rotina, uma situação que veio agravar o problema ainda mais. Esta semana falamos com a dietitian Susan Camargo sobre a obesidade nos nossos dias, as causas, a prevenção e os mecanismos que estão por detrás deste fenómeno.

Milenio Stadium - Obesidade uma doença mais mental do que física - susan
Susan Camargo – Crédito: Instagram

 

Milénio Stadium: Quais são as causas mais comuns de obesidade na sociedade de hoje?
Susan Camargo: Acho que o primeiro passo é entender o que é obesidade. A obesidade é caraterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal em quantidades que determinem prejuízos à saúde, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Isso acontece quando o gasto energético é menor do que a quantidade calórica ingerida. Não podemos esquecer a suscetibilidade genética e problemas endócrinos também. No geral, viver em um corpo maior não significa que você terá problemas de saúde, mas o problema é quando o acúmulo de gordura (especialmente na área abdominal) vem associado a hábitos sedentários e alimentação com alto teor de sódio, gorduras saturadas e alimentos extremamente processados, como bolos, batatas fritas, biscoitos e bebidas adoçadas – consequentemente, há um maior risco de doenças como pressão arterial alta, diabetes, aumento do triglicérides e diminuição da gordura boa (HDL).

MS: Como podemos determinar que uma pessoa sofre de obesidade? Obesidade pode ser considerada uma doença?
SC: Podemos calcular o IMC (índice de massa corpórea), este é reconhecido como padrão internacional para avaliar o grau de sobrepeso e obesidade. É calculado dividindo o peso (em kg) pela altura ao quadrado (em metros). Existem ferramentas online hoje em dia para calcularmos. A obesidade é definida se a pessoa tiver o IMC de 30kg/m2 ou maior. E também levamos em consideração a circunferência abdominal de igual ou maior 88cm para mulheres e 102cm para homens.
Eu diria que a obesidade é uma doença multifatorial, onde não podemos olhar apenas esses parâmetros corporais, mas também os fatores sociais, psicológicos, genéticos e ambientais em que a pessoa está inserida. Ganhar peso ao longo da vida é normal. Todos nós ganhamos peso conforme vamos envelhecendo, é parte natural do processo. Isso se dá devido às mudanças hormonais, é natural do nosso corpo. Mas quando esse ganho de peso se adiciona ano a ano, existe um problema ou uma doença, seja ela física, fisiológica ou emocional.

MS: Que efeitos a obesidade pode ter na vida de uma pessoa?
SC: Essa pergunta é ótima! Como disse, obesidade é fator de risco para muitas doenças. É preciso ver o indivíduo como um todo, avaliar todos os aspectos da vida dele e conseguir entender o porquê ele/ela come. Muitas vezes existe um fator emocional diretamente ligado à comida. O que significa que a única maneira daquela pessoa se sentir bem é comendo, ou a única maneira daquela pessoa lidar com as emoções é comendo. Então existem várias camadas que precisam de ser tratadas, não é apenas uma questão de calorias que entram e calorias queimadas. Como nutricionista há mais de 15 anos, digo que a maior causa de obesidade dos meus pacientes é de origem emocional. A nível físico: dor nas juntas devido ao ganho de peso, artrite, artrose, refluxo esofágico, tumores no intestino e na vesícula, pólipos intestinais, cansaço crônico, insônia. A nível mental – esse é muito importante considerar! Pois os impactos mentais serão tremendos se não focarmos na parte mental, pois comemos por prazer e emoção também, não apenas por nutrição. Por isso é essencial um acompanhamento psicológico junto ao acompanhamento nutricional para que haja perda de peso gradual e saudável.

MS: Durante a quarentena e a pandemia em geral, muitas pessoas relatam que ganharam peso. Como explicamos este fenómeno?
SC: Este também é um fenómeno multifatorial. Acredito que com o lockdown as pessoas ficaram menos ativas. Os que andavam para o trabalho, agora não andam mais, os que pedalavam para ir na escola não pedalam mais… Em casa os níveis de sedentarismo aumentaram demais. E não esquecendo dos níveis de stress que vieram com a pandemia mundial, a incerteza em que estamos vivendo causou muitas pessoas a comerem mais seja por ansiedade ou pelo conforto que a comida nos traz. Com níveis de stress altos, o nosso corpo produz mais cortisol, um hormônio que nos faz acumular gordura, especialmente na área abdominal, sendo assim muitas as causas da pandemia no aumento de peso.

MS: Atualmente há uma aceitação maior da obesidade? Muitas lojas têm agora tamanhos plus size, existem movimentos nas redes sociais que incentivam as pessoas a gostar do seu corpo como quer que ele seja… É um movimento saudável ou nem por isso?
SC: Acredito que isso seja realmente muito saudável. Passamos por um grande período de estigmatização da obesidade, como se fosse culpa daquela pessoa em ser obesa/o, quando na realidade existem muitos fatores para que ocorra a obesidade. Pense comigo: no passado, um obeso era visto como se fosse culpa dele em viver num corpo maior, enquanto alguém que vive com diabetes, por exemplo, por viver em um corpo menor não é visto como culpado. Entende onde quero chegar? Precisamos entender, como sociedade, que assim como as raças temos uma diversidade de tamanhos, e é normal! Cada um nasceu para viver em um corpo diferente, essa é a beleza da sociedade. O importante não é seu tamanho e sim sua saúde, seus parâmetros sanguíneos (colesterol, açúcar, etc), estilo de vida e ser ativo. O problema não é o seu tamanho. Estamos a tempo de construir uma sociedade mais inclusiva, sem julgamentos. Ensinem os vossos filhos essa diferença e evitem comentários em relação ao corpo alheio, pois você nunca sabe o que aquela pessoa está passando. Não congratule perda de peso pois muitas vezes não sabemos o que aquela pessoa passa ou passou para atingir a perda de peso, muitas vezes um alto custo para a saúde mental dela. Houve uma revolta na sociedade em relação a padrões de beleza e eu acho isso maravilhoso pois desta forma deixamos de lado padrões não realísticos de beleza e colocamos mais compaixão e aceitação em jogo.

O importante não é seu tamanho e sim sua saúde, seus parâmetros sanguíneos (colesterol, açúcar etc), estilo de vida e ser ativo. O problema não é o seu tamanho. Estamos a tempo de construir uma sociedade mais inclusiva, sem julgamentos. Ensinem os vossos filhos essa diferença e evitem comentários em relação ao corpo alheio, pois você nunca sabe o que aquela pessoa está passando. Susan Camargo

 

 

MS: Que conselhos deixa tanto para prevenir a obesidade e também para quem já se encontra nesta situação?
SC: Para prevenir precisamos de uma conscientização mundial, inclusive das grandes companhias de marketing, onde somos bombardeados com propagandas de doces cremosos e batatas crocantes o tempo todo. Essas grandes indústrias alimentícias não estão preocupadas com nossa saúde. Elas querem vender e cada produto é cuidadosamente planeado para que quando a gente os morda ocasione o “bliss point” que significa o ponto ideal de varias sensações gustativas. Pense no sal, açúcar e gordura em doses tão certas que seria capaz de atingir o centro de recompensa no cérebro dando-nos uma pequena dose de dopamina, que mantém esse ciclo em andamento. Expliquei tudo isso para que você veja que não é apenas uma questão de calorias. É muito, mas muito além disso. Estamos nadando contra a maré. A prevenção da obesidade está no estilo de vida ativo, comer alimentos integrais e não processados em 80% das vezes, manter seu check up anual para ver como tudo está indo dentro do seu corpo, conseguir achar satisfação em comer alimentos saudáveis e integrais e conseguir achar o balanço entre comidas integrais e comidas processadas que seja ideal para o seu corpo e estilo de vida, adaptar suas papilas gustativas para sabores menos doces e menos salgados e também uma conexão maior com o seu próprio corpo. Chamamos isso de “intuitive & mindful eating”. É muito complexo, isso se dá com reeducação nutricional, acompanhamento psicológico e exames laboratoriais. E, óbvio, a pessoa querer mudar. Nada será atingido se a pessoa não reconhecer que há um problema e querer ajuda em primeiro lugar.

Telma Pinguelo/MS

 

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