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Coragem para ser livre

25 de abril 1 - milenio stadium - 2022-04-29

 

“Quis saber quem sou, o que faço aqui, quem me abandonou, de quem me esqueci…”, ouvia-se na emissão dos Emissores Associados de Lisboa. Estava dado o primeiro de dois sinais que marcavam o início da operação levada a cabo por militares portugueses e que tinha como grande objetivo derrubar o regime salazarista. O relógio marcava 22h55, no dia 24 de abril de 1974.

O segundo sinal de código surgiu já no dia 25, pelas 00h20, altura em que foi transmitido o tema Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso – a madrugada onde, como escreveu Sophia de Mello Breyner Andresen, “emergimos da noite e do silêncio”.

Apesar de ter tido início no dia 23 de abril de 1974, a operação concluiu-se então na madrugada do dia 25, quando os militares do MFA (Movimento das Forças Armadas) tomaram os estúdios do Rádio Clube Português, comunicando a toda a população a sua intenção e pedindo que todos se mantivessem nas suas casas, por forma a evitar qualquer incidente que pudesse resultar desta ação militar.

Se resultou? Longe disso: um povo que não esperava, até aqui, ouvir outra coisa que não fosse “não” a pedidos, crenças, ideologias ou sonhos – na época não existiam eleições livres, não era permitido criticar o sistema, sob risco de ser preso, rapazes e raparigas frequentavam turmas diferentes na escola, os jovens (homens) eram obrigados a cumprir serviço militar, sendo que muitos acabaram mortos ou feridos na guerra colonial, as mulheres ocupavam um papel secundário na sociedade (a título de exemplo, necessitavam de uma autorização escrita pelo marido para poderem sair do país e só lhes era dado o direito a votar caso tivessem o ensino secundário completo, numa altura em que só se estudava até ao quarto ano de forma obrigatória) e tudo era controlado pela censura, fazendo com que a população não tivesse acesso a nada que o governo assim entendesse – não podia simplesmente ficar em casa à espera. A vontade de se soltarem das amarras da ditadura e o querer ser livre eram demasiado fortes para conter o ímpeto de abrir as portas e ir para a rua para se juntarem a estes militares que, mais do que a liberdade, estavam a devolver-lhes a vida. E o que começou por ser um golpe de Estado rapidamente se transformou numa revolução – a Revolução dos Cravos. Porque aqui, a “cantiga” foi mesmo a melhor (e única) arma.

 

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A história que ficou por contar

Posto isto, será que hoje, 48 anos depois, ainda há alguma parte da história da Revolução que ficou por contar? Há quem defenda que sim: por exemplo, no que diz respeito aos “derrotados”. É que para além dos arquivos militares, da PSP e da GNR continuarem a ser de difícil acesso, conforme foi notado pelos seis participantes do evento “O tempo histórico e a história do 25 de Abril”, que decorreu na passada sexta-feira (22) no Salão Nobre da Câmara de Setúbal, “sabemos pouco sobre a inteligência político-militar dos derrotados. Como é que agiram?”, questionou o historiador e antigo deputado Fernando Rosas. E depois existe ainda a questão da tentativa falhada de um novo golpe de Estado a 25 de novembro de 1975: “a questão do 25 de Novembro está completamente por estudar (…) e eu acho que tem de ser estudado. Está por fazer sobretudo a história daqueles que foram os derrotados. Porque foram presos logo a seguir, calados de uma certa forma”, defendeu a historiadora Irene Pimentel.

17 500 dias de democracia

No passado dia 23 de março Portugal alcançou um importante marco: 17 500 dias sobre o 25 de Abril de 1974 – mais do que aqueles que viveu em regime de ditadura. Por essa razão, o Governo português decidiu dar início às comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Na sessão solene de abertura destes festejos – que se prolongarão até dezembro 2026, ano que assinalará meio século desde as primeiras eleições autárquicas realizadas em Portugal – o primeiro-ministro António Costa referiu que estas comemorações “terão de ser sobretudo uma passagem de testemunho para as novas gerações, que continuarão e renovarão a nossa democracia na aspiração a um futuro que realize o que ainda falta realizar”. Ainda assim, lembrou que “a liberdade e a democracia são sempre obras inacabadas e nunca estão imunes a ameaças”.

Já na segunda-feira, dia 25 de abril, Pedro Delgado Alves, do Partido Socialista, lembrou no Parlamento que “a qualidade das instituições democráticas nunca foi tão importante” como hoje, acrescentando que é necessária uma democracia forte para combater as “ameaças populistas e de recurso à simplificação do que é complexo” que pretendem “instigar ressentimentos entre os cidadãos”.

Já o líder do PSD, Rui Rio, afirmou que a comemoração destes 48 anos de liberdade deve ser também um “momento de autocrítica sério e realista do trajeto que temos seguido” e que não ir além “do simples elogio do passado é, objetivamente, renunciar ao futuro”.

Numa intervenção mais polémica, André Ventura, do Chega, lamentou as falhas na Justiça portuguesa, “o império que se dissolveu” e não deixou passar em branco o facto dos jovens quererem “emigrar como nunca”. “Se isto é abril, nós preferíamos outro”, disse. Para além disso, Ventura dirigiu-se ainda a Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, deixando o apelo para que não condecore aqueles que, segundo o próprio, “mataram e expropriaram” após a Revolução, já que não é “fazendo deles heróis” que se vai “reconciliar Portugal”- no entanto, nunca referiu nomes.

Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal, considerou que Portugal está, nos dias de hoje, “num longo sono”, “economicamente estagnado, socialmente hipnotizado e politicamente desligado”.

Paula Santos, do PCP, defendeu que os princípios da Revolução continuam a ser “a solução para os problemas atuais”, nomeadamente no SNS, na escola pública, na habitação ou no reforço de direitos e ainda criticou o “descarado aproveitamento” da guerra da Ucrânia e das sanções à Rússia “como pretexto para maior acumulação de lucros”, apontando o dedo ao governo e à Direita que, no seu entender, exigem que trabalhadores e povo “paguem a fatura” deste conflito e criticando as tentativas de “imposição do pensamento único” sobre o mesmo.
Inês Sousa Real, do PAN, focou-se na desigualdade entre sexos, dizendo que “Abril ainda não tem rosto de mulher”, como forma de relembrar que estas trabalham mais 51 dias por ano para ter um salário igual aos homens e acrescentou que, mesmo no Parlamento, de 230 deputados apenas 84 são mulheres.

Em representação do Bloco de Esquerda, José Soeiro declarou que o partido não quer “mais tempo de democracia, mas sim mais democracia”.

Já Rui Tavares, do Livre, destacou que dos “três D’s” da Revolução – “Descolonização, Democracia e Desenvolvimento” – o primeiro foi “o mais imediato” e que os outros dois ainda não foram alcançados na totalidade – por isso, no seu entender, o 25 de Abril é ainda uma “tarefa longa e ainda por cumprir”.

A visão dos portugueses

Segundo uma sondagem da Aximage para o JN, DN e TSF, 83% dos portugueses consideram que o 25 de Abril foi importante ou muito importante para o país – já 5% veem-no como irrelevante. Os jovens entre os 18 e os 34 anos são quem atribui maior relevância à Revolução, enquanto que a classe social D (a mais baixa) é a que se mostra mais indiferente: 19% veem o 25 de Abril como “nem muito nem pouco importante”.

Já quando questionados acerca da situação do país, a percentagem daqueles que se dizem satisfeitos não ultrapassa os 57%, enquanto que 21% se assumem descontentes. A melhor forma de reforçar a democracia seria, para metade dos inquiridos, reduzir o fosso salarial. Apenas 2% disseram que a prioridade deveria ser o combate à corrupção.

Uma luta constante

Entre o que já sabemos e o que ainda ficou por conhecer, convém pensar se os cravos, símbolos da liberdade – seja ela de atos, opiniões ou pensamentos – , não estão, nos dias de hoje, a começar a murchar… Sentimos, hoje, que os diversos poderes e agentes económicos, políticos e sociais são o espelho do exercício da liberdade individual de cada indivíduo? E por muito que tenhamos a liberdade de expressarmos a nossa verdade, será que existe alguém disposto a ouvi-la? E mais: será que todos se “dão ao trabalho” de a partilhar, de a fazer prevalecer? Até porque, como diria a estilista francesa Coco Chanel, “o ato mais corajoso ainda é pensarmos por nós próprios. Em voz alta”.

Inês Barbosa/MS

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