Modalidades

Manos Walgode: O melhor par do mundo

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O espaço deste especial é insuficiente para que possamos detalhar todas as conquistas, individuais e coletivas, alcançadas por Ana e Pedro Walgode.

Poderosos, destemidos, ambiciosos e muito trabalhadores, os irmãos “Ferrari”, apelido com que o treinador Hugo Capoucho os “batizou” em 2015, honraram e engrandeceram o nome de Portugal, conquistando prémios nunca antes alcançados por um par sénior português na modalidade.
Calçaram os patins pela primeira vez ainda com tenra idade e partiram à conquista do mundo. E conseguiram-no – com todo o esforço, garra e determinação que tal implica. Depois de já ter alcançado o primeiro lugar na prova de style dance, a dupla voltou a vencer na prova de freedance e foi medalha de ouro nos World Skate Games 2022, realizados em Buenos Aires, fechando com chave de ouro o seu percurso na modalidade. Mas até aqui chegarmos não faltam histórias – e títulos – para contar deste que é, comprovadamente, o melhor par do mundo.

Milénio Stadium: Esta época tem sido de sonho: a Ana e o Pedro já foram campeões dos Jogos Mundiais, campeões da Europa, campeões nacionais e agora campeões do mundo. Acredito que ao mesmo tempo que tudo pareça um sonho também pensem “nós realmente merecemos isto”…
Ana Walgode: Um sonho é algo da nossa imaginação e que potencia e conduz o nosso foco para alcançá-lo. Estávamos confiantes que este ano ia ser tudo diferente e finalmente nos iam dar o devido valor e avaliação. Por alguns anos o sonho não foi realizado, mas como diz o ditado “quem sonha sempre alcança”, e claro que sonhar sem trabalhar e dedicar-se não funciona, mas nós os dois demos LITERALMENTE TUDO DE NÓS para por fim este ano sair em grande e chegar ao tão esperado título mundial.

MS: Ganhar a medalha de ouro já é um feito incrível, mas na realidade este foi também um resultado histórico, tendo em conta que foi a primeira vez que Portugal conseguiu um primeiro lugar num campeonato do mundo em pares de dança seniores. Mais do que um incentivo para vocês, enquanto atletas a nível pessoal e coletivo, consideram que isto também pode servir de incentivo para outros atletas?
AW: Sim, a verdade é que nós acabámos por, ao longo da nossa carreira, fazer vários feitos históricos. Em 2015 fomos o primeiro par com um medalha no Campeonato da Europa, fomos Campeões da Europa, fomos também o primeiro par com uma medalha no Campeonato do Mundo, fomos bronze no Mundial 2015. E eu, enquanto atleta individual, fui a primeira atleta feminina sénior a ser medalhada no Campeonato do Mundo, também – foi no segundo ano, em 2017, na China. Os portugueses há 21 anos que não tinham medalhas nos Jogos Mundiais – este ano fomos nós que a tivemos, de ouro, e também tivemos esta medalha. Isto só é feito de muita dedicação e trabalho e eu tenho a certeza, porque nos dizem mesmo diretamente, que somos os ídolos e a inspiração para muita gente e isso para nós é das coisas melhores, que não é medalha mas sim o que nos transmitem e perceber que as pessoas nos admiram e gostam de nós.

MS: Por vossa causa e devido a esta enorme e mais recente conquista, Portugal voltou a estar, mais uma vez, nas bocas do mundo. Sentem que o desporto e atletas portugueses vão dando cada vez mais provas das suas enormes capacidades? Acham que tanto a modalidade como os profissionais são devidamente valorizados?
AW: Nós no momento da competição, ou seja, a viagem, a inscrição na prova, toda a alimentação e estadia durante a competição internacional somos apoiados pela Federação, no entanto há muitos custos fora disso que pelo facto de não termos patrocínios não são cobertos. O nosso técnico nacional vai pela Federação e é suportado por ela, no entanto os nossos treinadores Hugo Chapouto e Fernanda Ferreira, que nos acompanham todo o ano, também têm que ir, têm que nos acompanhar na prova e aí sim fica tudo a nosso cargo. Também a parte dos coreógrafos, dos fatos, mensalidade no clube, tudo isso é pago por nós e nós não temos apoios, infelizmente.

 

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MS: Como é que a patinagem entrou nas vossas vidas? E como e quando decidiram que gostariam de competir em dupla?
AW: Nós iniciamos a patinagem artística em 2004, em Argoncilhe, porque a minha mãe nos levou para lá. Nós antes tínhamos andado na Académica de Espinho no hóquei, trampolins, ginástica rítmica, mas a minha mãe viu alguma beleza e potencial na patinagem artística e nós fomos para lá. E foi assim que começou. Em relação à dupla, só passado 10 anos, o meu irmão já era sénior e eu ainda era juvenil: nós íamos aos pares de dança e era algo de que gostávamos e diziam-nos que como éramos irmãos havia maiores facilidades, que fazia sentido, e foi aí que começámos o projeto com o nosso treinador Pedro Craveiro e a Dora Cunha também na Académica de Gondomar.

MS: Acham que o facto de serem irmãos vos dá alguma “vantagem”, por assim dizer? Em termos de confiança, cumplicidade e motivação, por exemplo…
AW: Sim, sem dúvida que no nosso caso sermos irmãos nos deu uma vantagem muito grande – conciliar horários é mais fácil, conciliar vontades, conciliar as tristezas, apoiar o outro, saber quais são os limites do outro… Em relação à cumplicidade, à sintonia, à proximidade que temos, aos gostos musicais, a tudo! Sem dúvida que é maravilhoso sermos irmãos enquanto par.

MS: Foram galardoados em todas as edições da Gala de Desporto da Confederação do Desporto de Portugal de 2016 a 2020. Também reconhecimentos deste tipo são importantes para vós? Qual o significado que lhes atribuem?
AW: Sim, fomos. Inclusive também vencemos penso que em 2020 mas relativo a 2019 o prémio de melhor atleta feminino e masculino. Nas Galas de Desporto eu estive várias vezes nomeada para Atleta Revelação ou Atleta Feminina e é claro que isso é muito importante para nós porque acho que acabámos por ser potenciadores nesta nossa modalidade de mostrarmos que merecemos também ser reconhecidos por outras entidades.

MS: Mas por trás de todas as medalhas e troféus está um grande e muitas vezes duro trabalho que ninguém vê. Algo que pode ficar condicionado devido à exigência da preparação para as competições são os estudos – julgo saber que a Ana se encontra a realizar mestrado integrado de Bioengenharia e que o Pedro está a fazer o programa doutoral em Engenharia Química. Como é que se conciliam estas duas realidades?
AW: É muito difícil. Isto não é um desporto profissional, não somos pagos mas trabalhamos tanto ou mais. Nós dedicamo-nos full day a isto. Este ano nós decidimos “vai ser o nosso ano, é o nosso último ano, vamos dar tudo”, então tivemos que suspender tanto o meu mestrado como o Pedro o seu doutoramento e os resultados apareceram. Eu fiz todos os meus quatro anos e meio, cinco anos de mestrado e o meu irmão fez todo o curso, fez ainda mais três anos de doutoramento a conciliar com a patinagem e sempre conseguimos mas com muito stress: viagens quatro vezes por dia (faculdade-treino, treino-faculdade, faculdade-treino-ginásio…). A conciliação de horários é muito complicada, só o conseguimos porque somos pessoas com muita força mental, muito perspicazes e organizados mas este ano basicamente entre ginásio e treino o nosso dia era só dedicado à patinagem. Tínhamos o fim do dia para descansar se não houvesse treino.

 

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MS: Alguma vez tiveram que sacrificar ou abdicar de algo importante em prol da prática da patinagem? Se sim, arrependem-se?
AW: Sim, já tivemos que abdicar de muita coisa – muitas férias, muitas saídas à noite, muitos convívios com amigos e família. Abdiquei muito da minha vida académica, tanto eu como o Pedro, quase não consegui vivê-la. A altura da Queima, por exemplo, quase não ia, quase não aproveitava, tínhamos treinos, tínhamos campeonatos… Se me arrependo? Arrependo-me de muita coisa, sim. Se isso fez com que eu chegasse onde estou agora? Talvez. Deixei de fazer também, por exemplo, Erasmus no quarto ano, que era uma coisa que eu queria muito fazer, por causa da patinagem. Mas este ano a decisão de eu parar a minha tese – não a fazer neste semestre mas sim no próximo – e o Pedro suspender o doutoramento durante seis meses foi super acertado porque nos conseguimos focar e sintonizar os dois para isto e os resultados estão aqui. Disso não nos arrependemos de certeza!

MS: Fora da patinagem e dos estudos, quem são os irmãos Walgode? Que outros hobbies têm e como gostam de ocupar o (acredito que pouco) tempo que vos sobra?
AW: Nós somos loucos por praia! Nós vivemos a 10 minutos a pé da praia, portanto é certo que se estiver bom tempo depois de um treino, para relaxar, estamos enfiados na praia. Férias e viajar: também somos muito apaixonados. É uma das nossas grandes paixões e fazemo-lo muito. Eu toquei piano, o Pedro tocou clarinete – também é um dos nossos hobbies, de vez em quando ainda vamos lá dar uns toques. Estar com amigos, principalmente o meu irmão – ele adora, tem sempre energia para tudo! Eu já sou mais caseira… E é isso. Acabamos por ter uma vida normal, só que um pouco mais stressada porque é mais difícil conciliar os horários, mas não deixamos de ser pessoas normais que fazem coisas normais.

MS: O vosso treinador Hugo Chapouto refere-se a vocês como o “Ferrari da Patinagem Artística”. Enquanto atletas, haverá algum segredo para se conseguir alcançar este nível de excelência?
AW: O segredo é foco, trabalho, organização, motivação e humildade. E nós éramos uns Ferraris – éramos e este ano acho que mostramos ser também – porque somos atletas com muita força, muita energia dentro da pista, cativamos as pessoas mesmo pela alma e pelo coração porque nós transmitimos tudo aquilo que sentimos, temos muito power. Eu penso que isso às vezes são coisas que uns trabalham, outros têm mais talento – nós simplesmente gostamos tanto daquilo que fazemos que acho que nos sai naturalmente. Claro que depois também vem com muito trabalho de sintonização, mas acho que é por isso que o nosso treinador nos atribuiu essa característica.

MS: Será este o auge da vossa carreira? Ou ainda há mais e maiores sonhos por cumprir?
AW: Este é completamente o auge da nossa carreira, não há mais nada por cumprir. Em relação ao par de dança nós conseguimos todas as medalhas que havia para conseguir, conseguimos os ouros todos, inclusive da competição mais importante de todo o desporto na nossa modalidade, que são os Jogos Mundiais, e ficámos mesmo felizes por terminar de forma tão brilhante, mesmo de coração cheio. Porque acho que deixámos a nossa marca, mostrámos ser possível, inclusive eu lesionei-me uma semana e pouco antes de ir para o Mundial. Eu estava na Argentina e não sabia se ia competir ou não – e acho que mais uma vez a nossa força fez-nos ultrapassar isso e estamos muito agradecidos pelo apoio que temos de todos os portugueses e de toda a comunidade mundial da patinagem. E esperemos mesmo que os manos Walgode fiquem sempre na história da patinagem.

Inês Barbosa/MS

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