“Virou! Virou?! Virou!!” E depois São Paulo explodiu toda no ar

O domingo eleitoral, das sombras à luz celular, na mega metrópole do Brasil.
A última vez que Joaquim viu Lula, viu a cabeça do candidato arrebitada no tejadilho foi carro, banhada num banho breve de pétalas de rosa a desmaiar. Eram de papel, choviam lançadas por um grupo de mulheres negras empolgadas que estavam ali a aglomerar, à espera de ver Lula passar. Ele também está exaltado, berra ao lado delas numa voz grossa que tirita emoção. “Força! Força! Vamos lá! Companheeeeiro!”.
Joaquim Fernandes, Joaquim Trezze – “mete dois zês para não dar azar, é melhor”, diz ele a aludir ao n.º de voto de Lula na urna electrónica numeral – tem 58 anos, é paulista e precisa de ajuda para se segurar. “Foi há uns anos, ia na rua, vi vir um moleque, não liguei, o moleque chega, diz que vem assaltar. Estava escuro, não liguei, era um moleque, desafiei e quando vejo as minhas pernas tinham morrido, morreram logo ali”. Dois disparos, um na T11 outro na T12, lesão grave medular, paraplegia. E agora Joaquim é um homem entre muletas, caminha para sempre a tremular.
É manhã cedo, ele segura-se no meio da minimultidão, vestem quase todos vermelho-PT, ondulam braços, bandeiras, cantorias, “Lu-lá, Lu-lá, Lu-lá”, não desgrudam da porta da Escola Estadual João Firmino, São Bernardo do Campo, zona pobre de S. Paulo que serve uns seis mil eleitores, onde Lula vai votar.
“É o verdadeiro messias!”, diz Joaquim. “Sei que Bolsonaro tem Messias no sobrenome, mas esse messias é falso e vai perder”. E depois eleva Lula: “Lula é um ser a ser estudado, caso de estudo internacional. É um modelo para o Brasil. É o salvador, é o nosso messias. Ganha de caras, nada mais a dizer”.
Miguel, Lua e Lula
A 20 kms dali, já é hora de almoçar, reina uma calmaria solar no ar. É o Bairro de Pinheiros, classe média-alta paulista, efervescente, artística, empresarial, perfumada, relaxada, tropical, nas esplanadas degusta-se sol, ouve-se a delícia de pássaros altos a assobiar. Na Escola Técnica Estadual Guaracy Silveira, o silêncio é refrescante, a mistura de cores epidérmicas natural, não há filas para votar, muita gente leva os cães, ficam à porta a confabular, passam pais com filhos às cavalitas, há brancos e pretos e paz.
Miguel e Lua, ambos quarentas, ele português do Porto, ela paulista do Brasil, engenheiro, arquiteta, a mesma inclinação, prezam Lula e a sua impassibilidade integral. Acabaram de votar, seguram agora Martinis gelados brancos secos na rua enquanto esperam para almoçar. “É o único que pode melhorar o Mundo e o Brasil, Lula. Bolsonaro iria extremar ainda mais para a Direita, iria sentir-se legitimado, iria abusar, o abuso seria sistémico. Evidentemente não podia ser”, diz o Miguel, diz a Lua, a mesma certeza passional.
“Virou! Lulou!”
Agora entardece, alongam-se as sombras, há um cansaço mágico no ar, mas reina um silêncio insólito, meio exótico, um silêncio que não é tranquilo na sua integralidade. Em frente ao Hotel Intercontinental S. Paulo, sede do domingo eleitoral de Lula, da campanha e do PT. Formigam centenas de pessoas e jornalistas. São 18.44 horas aqui, 21.44 aí, e ouve-se um estrépito solto vindo do lado de lá da rua.
Foi um grito muito fino, muito rápido, explodiu sozinho no ar, pareceu que alguém disse “virou”. Mas depois ouviu-se outro, e outro, e mais outro, vinham agora de todas as direções, explodiam a pipocar no ar, e toda a gente, como se todos tivessem agora uma mesma corrente elétrica invisível, se agarrou automaticamente ao telemóvel, as sombras das caras agora iluminadas pelas luzes brancas frias a bruxulear. “Virou! Virou?! Virou!! Lulou!!!”. E depois ouviram-se por todo o lado gritos estridentes e cheios de dentes de alegria, como morteiros de alívio e atenuação.
Foi às 18.44 horas que a contagem de votos do segundo turno da corrida presidencial do Brasil, 30 de outubro de 2022, Lula X Bolsonaro, que tinha começado às 17 horas daqui, virou. Até ali, Jair Messias Bolsonaro, o candidato do partido da Direita liberal, liderava a contagem dos votos. Mas a partir dali, Luís Inácio Lula da Silva, 77 anos, candidato da Esquerda e do Partido dos Trabalhadores, duas vezes anteriormente posto pelo povo no Planalto (2003 a 2011) iria ser o 39.º presidente da República do Brasil.
E depois a cidade de S. Paulo – palmas, berros, gritos, rugidos, bramidos, apitos, e aquele “Olá, olé, olá, Lu-lá, Lu-lá, Lu-lá” que detonava a cada minuto espontaneamente -, explode toda no ar. O Brasil acaba de virar.
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