Quem “governa” nosso dinheiro?
O café, o pão e os ovos que você come ao acordar de manhã. O preço do combustível para abastecer o veículo com o qual vai até o trabalho, seja ele seu próprio automóvel ou o transporte público. O salário que recebe para desempenhar determinadas funções. O valor do aluguel ou da hipoteca que paga para ter um teto para morar. Desde o momento que você acorda até aquele em que vai dormir, das maneiras mais óbvias as mais complexas, nossa vida é diretamente influenciada pela economia. E de uma maneira geral são as tendências macroeconômicas, como inflação, taxas de juros, sistemas de produção e abastecimento e o crescimento econômico dos países que ditam nossas escolhas.
A globalização das economias mundiais resulta na maior dependência dos países entre si, e qualquer questão que afete um participante desse sistema tão intrinsecamente interligado, seja uma pandemia ou a atual guerra russa contra a Ucrânia, por exemplo, acaba respingando no resto do mundo, e consequentemente afetando nossas vidas em diversos setores. Um jogo de especulações e interesses econômicos que nos fogem ao entendimento, porém afetam nosso poder de compra e decisões a todo momento.
Somos nós então, meras marionetes nesse cenário econômico global complexo, que acaba por afetar nossas vidas a todo o momento, determinando o que podemos consumir, comer, vestir, usar, de que maneira “gastamos” nosso tempo para ter uma vida “confortável economicamente? Qual o nosso real poder de escolha diante de cenários e realidades que se apresentam, consequências de decisões tomadas por governos, grandes corporações, bancos?
Perguntas complexas com respostas também não tão simples e que fizemos ao entrevistado desta semana, o professor do Departamento de Ciências Políticas da Carleton University, de Otava, Randall Germain, cuja área de ensino e pesquisa é Economia Política Internacional.
Diante de sua experiência na área, o cientista político nos apresenta as diferentes camadas que compõe aquilo que denominamos economia, seus principais controladores, a quem ele chama “agentes” e nossa própria participação nesse esquema, através das diversas decisões que tomamos ao longo da vida.
Milénio Stadium: Como a economia afeta a nossa vida diária?
Randall Germain: A economia afeta quase todos os elementos da nossa vida diária, mas nem sempre de forma direta ou visível. A economia dita que tipos de bens e serviços podemos comprar, afeta nossa renda por meio de nossas perspectivas de emprego e afeta o padrão de vida que iremos desfrutar. É uma parte muito grande do nosso dia-a-dia. Ao mesmo tempo, a economia nos afeta por meio de uma “dupla camada”. Existe a camada local e direta e superficial, que é o que vemos à nossa frente quando compramos comida no supermercado, ou roupas, ou produtos que usamos no dia a dia (eletrodomésticos, móveis, carros etc.). Depois, há a camada mais profunda e nacional ou global, que traz bens e serviços à nossa porta (ou dispositivos), e que nem sempre nos são visíveis de forma clara e acessível. Incluem-se aqui os sistemas de produção, comércio e finanças que produzem o que consumimos – muitas vezes muito distantes de nós – e conseguem nos entregar esses bens e serviços de maneira oportuna e eficiente. Esse quadro não percebemos até que ele se desfaça, e é ele próprio o produto de milhares e milhares de decisões de muitos agentes próximos e distantes de nós. Podemos chamar isso de vida cotidiana da economia política mundial.
MS: Quem são os agentes que controlam os aspectos econômicos mais importantes em nossa vida? Seriam os governos, os bancos ou as grandes corporações?
RG: Esta é uma pergunta que eu não acho que possa ser respondida de uma maneira geral. Todos esses agentes identificados (governos, bancos, grandes corporações) têm algum controle em vários pontos e em muitos aspectos econômicos de nossas vidas, mas, na minha opinião, nenhum deles tem um controle total. É por isso que entender como a economia/economia global “realmente funciona” pode ser um exercício muito frustrante. Funciona de maneira diferente para diferentes produtos e serviços, o que significa que os muitos círculos sobrepostos de nossas vidas têm vários pontos de controle. Muitas vezes, simplesmente assumimos que o governo, os bancos ou as grandes corporações controlam nosso ambiente, quando na verdade eles controlam apenas partes limitadas dele. Nós também temos algum controle, mas novamente é limitado.
MS: A maioria dos políticos são patrocinados por grandes corporações. Você acredita que essa seria a base para influenciar a maioria das decisões políticas que são tomadas?
RG: Não acredito que “a maioria dos políticos é patrocinada por grandes corporações”. Alguns são, claro, mas muitos – diria mesmo a maioria – não são. É claro que eles podem levar em conta os interesses corporativos quando agem, o que nem sempre é uma coisa ruim, mas eles equilibrarão esses interesses com muitos outros. E lembre-se, as corporações não votam, mesmo que possam empregar muitos outros recursos.
MS: A pandemia e a guerra na Ucrânia nos mostraram que as nossas vidas, no aspecto econômico, estão profundamente relacionadas a questões que não podemos controlar. Será este um sinal inevitável da globalização? Como o Canadá pode proteger sua economia?
RG: Sim, há muitos aspectos da globalização que “nós” não podemos controlar, e há muitas características da economia que são apenas parcialmente controladas por um único agente. Seja em pandemias ou guerras, a primeira linha de defesa da economia canadense envolverá uma resposta do governo para amortecer o golpe e encontrar maneiras de lidar com as consequências desses desenvolvimentos. Embora não seja perfeito, o que o governo do Canadá fez até agora foi bom, na minha opinião.
MS: Mais do que nunca, os cidadãos estão sujeitos aos interesses das grandes corporações. São eles que controlam nossa decisão final e, no final das contas, vidas?
RG: No final das contas, o controle sobre todos os aspectos de nossas vidas é compartilhado entre nós, nossas comunidades locais, nosso governo (em todos os níveis) e pelas organizações que produzem e prestam os serviços dos quais dependemos. As corporações não deixam de ser importantes nessa mistura, mas, a meu ver, são simplesmente um entre muitos agentes. Culpar as corporações por todos os nossos problemas é tão equivocado quanto culpar o governo por todos os nossos problemas, ou a sociedade, ou a civilização ocidental, ou mesmo a China ou a Rússia. A vida social é complexa demais para uma explicação tão monocausal. Há muita culpa em torno do que é bom e ruim em nossas vidas e seremos mais bem servidos perguntando quem ou o que é o culpado de questões mais específicas de nossas vidas.
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