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“Os trabalhadores no Canadá são altamente qualificados e querem um trabalho que considerem interessante” – Tracey Adams

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O mercado de trabalho é um organismo vivo e em constante mudança. Ao longo das décadas, podemos dizer mesmo séculos, diferentes sociedades sentiram diferentes desafios e ambicionaram alcançar diferentes objetivos. Para percebermos o mercado de trabalho precisamos de falar de mais do que números, negócios e carreiras: precisamos de falar das pessoas que fazem parte deste imenso tecido laboral. Afinal, são elas os motores que fazem movimentar as engrenagens desta gigante máquina.

Ao celebrar mais um Dia do Trabalhador no Canadá, conversamos com Tracey Adams, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Western Ontario e editora na Canadian Review of Sociology, sobre os fenómenos que estão a acontecer na força de trabalho dos dias modernos, acelerados por dois anos de uma pandemia mundial.

T. Adams - milenio stadiumMilénio Stadium: Qual é a importância do trabalho para nós enquanto sociedade? Será que uma sociedade e até mesmo nós individualmente, como seres humanos, funcionaríamos da mesma forma sem um mercado de trabalho?
Tracey Adams: Às vezes os investigadores fazem a distinção entre dois sentidos do conceito “trabalho”. Podemos falar do “trabalho” tipicamente definido como a atividade que fazemos por remuneração para outra pessoa, e o “trabalho” que é qualquer atividade feita com um propósito e que produz algo de valor, seja remunerada ou não. Ambos estes tipos de trabalho são cruciais para as sociedades e os indivíduos. Em termos simples, ambos produzem os bens e serviços de que precisamos para viver e levar uma vida plena. A mão de obra está por trás de cada produto, item ou serviço que usamos. Também é essencial para a criação dos filhos. Não é exagero dizer que o trabalho fornece uma base para toda a nossa sociedade.
Como indivíduos, o trabalho proporciona-nos uma fonte de renda através da qual nos sustentamos, mas o nosso trabalho também é uma fonte de criatividade, atividade, interação social e identidade. Às vezes, os nossos empregos remunerados não atendem a todas as nossas necessidades nesses aspetos, mas muitos de nós envolvemo-nos em trabalhos não remunerados – incluindo hobbies e trabalho voluntário – através dos quais podemos encontrar significado, identidade, interação e criatividade que não conseguimos encontrar no nosso trabalho remunerado ou emprego.

MS: O que levou os trabalhadores a sentirem a necessidade de se unir e formar estes grupos que se tornaram sindicatos mais tarde?
TA: Os trabalhadores sempre se organizaram de diferentes formas no passado – por exemplo, em guildas e associações – mesmo antes do surgir das sociedades modernas, mas no Canadá os primeiros sindicatos remontam ao final do século XIX e cresceram no início e meados do século XX. Os sindicatos foram uma resposta aos baixos salários, insegurança no emprego e más condições de trabalho.
Os salários de muitos trabalhadores não eram suficientes para se sustentarem a si próprios nem as suas famílias. Na época, não havia rede de proteção social, ou seja, não havia fundo de desemprego se a pessoa perdesse o emprego, nem havia nenhuma compensação trabalhista em caso de um acidente no trabalho. O trabalho era muitas vezes precário e perigoso, o que significava que a perda de emprego e lesões eram comuns. Portanto, muitos trabalhadores estavam muito vulneráveis. As horas de trabalho eram extremamente longas.
Algumas famílias tiveram de pôr os seus filhos a trabalhar por dinheiro, simplesmente para garantir que tinham possibilidade de se alimentarem. Os sindicatos trouxeram mais proteções para os trabalhadores, condições de trabalho mais seguras, melhores salários e mais segurança – e não apenas para os trabalhadores sindicalizados.

MS: Do ponto de vista da sociologia, como é que a dinâmica do mercado de trabalho mudou ao longo dos anos?
TA: Há muitas mudanças no mercado de trabalho ao longo do tempo, mas vou focar-me nos tópicos que abordamos até agora. Ao longo do tempo, assistimos a um declínio dos sindicatos, especialmente nos empregos ocupados por homens e no setor privado. Ainda acontece, no entanto, que os trabalhadores sindicalizados tendem a ter mais proteções no local de trabalho e melhores salários do que os trabalhadores não sindicalizados, especialmente no mesmo setor.
As condições de trabalho também melhoraram em geral ao longo do tempo, embora nas últimas décadas tenham surgido preocupações com o declínio dos salários (os salários aumentaram, mas uma vez que existe a inflação, o poder de compra desses salários, na realidade, diminuiu), bem como o aumento da precariedade e insegurança.
As condições de trabalho são melhores em termos de segurança, em geral, mas muitos trabalhadores enfrentam maiores pressões de trabalho (ou intensificação do trabalho) que levam a níveis mais altos de stress e problemas de saúde mental, além de contribuírem para doenças físicas. Também estamos mais conscientes de questões como o abuso e assédio no local de trabalho, bem como discriminação – e isso pode ser cada vez mais comum à medida que a nossa a força de trabalho se torna mais diversificada.

MS: Costumamos falar sobre gerações como os Baby Boomers, a Geração X, os Millennials, e como eles tendem a ter comportamentos, conceitos e maneiras diferentes de encarar a vida. Como é que cada uma dessas gerações impactou o mercado?
TA: Há estudos que documentam que pessoas de diferentes gerações têm abordagens diferentes ao trabalho e valorizam diferentes elementos. No entanto, é difícil dizer se diferentes gerações alteram o mercado de trabalho, ou se as pessoas nessas gerações abordam o trabalho de maneira diferente porque o mercado de trabalho é diferente. Por exemplo, os Baby Boomers valorizavam o trabalho seguro e estável com uma empresa, mas trabalhar numa empresa que estivesse disposta a investir neles e oferecer aumentos salariais e promoções foi uma opção para eles, quando entraram no mercado de trabalho. Esta não tem sido uma opção para a maioria dos Millennials.
O trabalho hoje é muitas vezes precário, envolvendo contratos de curto prazo. Para muitos Millennials e outros, o trabalho satisfatório, o pagamento decente e o avanço são mais bem alcançados ao mudar de empregador. Assim, pode ser que as gerações tenham impactado o mercado de trabalho, mas certamente diferentes gerações experienciam diferentes mercados de trabalho e adaptam as suas expetativas e respostas de trabalho de acordo com o que existe no momento.

MS: Vemos que as pessoas estão a mudar de emprego com mais frequência em vez de trabalhar para a mesma empresa ou permanecer na mesma área durante toda a vida. Que tipo de fenómeno é esse e quais são os traços gerais do mercado de trabalho atual?
TA: Os Millennials e outros trabalhadores no Canadá são, no geral, altamente qualificados e querem um trabalho que considerem interessante, onde tenham oportunidade de aprender coisas novas, interagir com pessoas interessantes e serem bem pagos. No entanto, como observado, muitas empresas não estão dispostas a investir no desenvolvimento das habilidades dos seus trabalhadores e estão a contratar mais trabalhadores com contratos a termo certo e também esperam que as pessoas trabalhem mais pelos seus salários (e a monitorizá-los para garantir que o fazem).
Assim, há um descompasso entre o que os trabalhadores desejam num emprego e os empregos que estão disponíveis para eles. Nesse ambiente de mercado de trabalho, faz sentido que os trabalhadores se desloquem em busca de um trabalho mais bem remunerado e mais gratificante.

MS: Essas mudanças já estavam em andamento, mas de repente fomos atingidos por uma pandemia. Que efeito teve a pandemia em todos estes processos?
TA: A pandemia proporcionou a muitos trabalhadores uma oportunidade de reflexão. À medida que o antigo normal foi interrompido, as pessoas pensaram em como seria um “novo normal”. Para pessoas com filhos pequenos, a enfrentar conflitos familiares e trabalho avassalador durante a pandemia, pode haver outros empregos com melhor equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Aqueles que passavam por alto stress e tensão, pensaram num trabalho mais gratificante, mas menos stressante. Os trabalhadores mais velhos pensaram na reforma antecipada. Então, temos esses termos como a “grande demissão” para descrever pessoas a abandonar empregos que simplesmente não estavam a atender às suas necessidades.
Outros continuam a trabalhar nos seus antigos empregos, mas podem não estar a ir além do que costumavam (alguns estão a chamar esse fenómeno de “demissão silenciosa”). A pandemia intensificou a consciencialização das pessoas sobre esse descompasso entre o que querem de um emprego e o que têm, levando muitos a fazer mudanças significativas na carreira.

MS: Conseguimos neste momento prever como será o mercado de trabalho no futuro, considerando as características das Gerações Z e Alfa?
TA: Os mercados de trabalho podem mudar para se adaptar às caraterísticas da força de trabalho, mas é mais comum que os trabalhadores se adaptem aos mercados de trabalho que enfrentam porque precisam de trabalhar para sobreviver. No entanto, nem sempre é fácil prever a direção da mudança.
Sabemos que a tecnologia contribuirá para as mudanças no local de trabalho de várias maneiras – aumentando alguns empregos, diminuindo outros e alterando todo o modelo de trabalho. Uma vez que se espera que a mudança continue, as novas gerações provavelmente terão que continuar a ser adaptáveis e engajar na aprendizagem ao longo da vida para acompanhar o mercado de trabalho.
É possível que os empregadores se adaptem para apoiar o tipo de trabalho que os trabalhadores desejam, mas isso não é certo. Em vez disso, os trabalhadores podem ter que continuar a investir em si mesmos para garantir que são flexíveis às oportunidades, a fim de se adaptarem a esse mercado de trabalho em mudança.

Telma Pinguelo/MS

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