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Golpe deixa presidente da Guiné-Bissau cinco horas debaixo de secretária

MILENIO STADIUM - GUINE

 

Umaro Sissoco Embaló, o irrequieto 7.º presidente da República da Guiné-Bissau, 49 anos, aprendeu com a Mossad, o serviço secreto de Israel, quando foi ao Estado hebraico cursar estudos estratégicos internacionais: a dissimulação é melhor do que a fuga.

Foi o que fez quando na tarde ardente de 1 de fevereiro em Bissau 60 homens armados irromperam pelo Palácio do Governo adentro, em pleno plenário do Conselho de Ministros, numa tentativa de golpe de estado para o descabeçar de funções: não correu, não fugiu, escondeu-se tão-só – mas esteve sempre praticamente à vista de toda a gente.

A intentona daquele dia sobre o desguardado Palácio, onde laboram umas 400 pessoas, entre ministros, secretários, seguranças e serviçais, projetou-se num caos de choque e pavor. Foi um tumulto emocional, gritos, brados, correria, atropelamento, congestão da rede celular, chamadas agoniadas à família, adeuses precoces. Muitos lograram fugir pela rabeira do Palácio, pulando um muro de dois metros coroado de cacos e vidros, como fez o primeiro-ministro Nuno Gomes ou os ministros do Interior e da Defesa; outros acobertaram-se em salas recônditas e souberam esperar. Mas o saldo do motim que durou das 13 às 18 horas, é funesto: oito mortos e só um é do lado insurgente, o desonrado inspetor Braima Djaló, vulgo Punho-de-Ferro, executado no local.

A maioria dos revoltosos – a golpada é atribuída a uma hidra de narcotraficantes, militares, paramilitares, polícias e rebeldes dos matos de Casamansa que lutam no fronteiriço Senegal – permanece a monte. Haverá já dez capturados, incluindo os alegados cabecilhas, e figurões da droga, Bubo Na Tchuto, ex-chefe da Marinha, Tchamy Yala, ex-oficial, e o segundo-tenente Papis Djemé, mais um alferes, António Indami, um soldado raso, Adão Rodrigues, e um reformado, Armando Nhaga.

TRANCAS À PORTA

Na operação, diz o relatório-síntese da ocorrência, que o JN consultou, assinado pelo general Mamadu Turé, foram apreendidos: “cinco jipes sem matrícula, quatro bazucas RPG-7 com sete obuses, uma metralhadora PK, oito espingardas automáticas AKM, três pistolas, quatro telefones e três óculos de camuflagem”.

O relatório, que mais se assemelha a uma “notícia” parcial, diz ainda que “os insurgentes moveram-se livremente pelo Palácio”, fizeram “disparos de bazuca”, “intensos disparos de armas ligeiras” e ainda “conseguiram deter seguranças [do Palácio] e colocá-los ajoelhados, debaixo do sol”, que naquele dia queimou a 35 graus. “De ressaltar que a maioria dos assaltantes se meteu em fuga, pelo que são necessárias diligências no sentido de capturar os visados”.

O stresse pós-traumático redundou nisto: os palácios do presidente e do Governo estão agora fortemente vigiados, os ministros andam com escolta armada e há check-points nas saídas de Bissau.

GENERAIS EXONERADOS

Sissoco Embaló, que conduz um regime semipresidencialista com nuances africanas que lhe dão poder e músculo executivo, seria o único alvo a abater. A investigação corre lenta e insatisfatória e, por isso, já rolaram duas cabeças: o presidente exonerou esta semana o chefe da Armada, Alfredo Mandunghal, e o vice-chefe do Exército, general Na N”Tchongo, numa ação executiva direta que castiga a “inoperância” do Exército na intentona. Os substitutos são, respetivamente: Hélder Nhanque, capitão de Mar-e-Guerra; e Yamta Na Mam, chefe dos Comandos, a força especial que resgatou o presidente do Palácio do Governo naquela tarde tórrida.

Mas, afinal, onde se escondeu durante cinco horas o intrépido presidente Embaló quando rajaram os primeiros tiros de metralha? Num recanto pueril: a primeira saleta de três que há à saída do plenário, junto ao WC. Qual foi o seu segredo? O presidente entrou mas deixou a porta sempre aberta, dissimulando assim o seu escancarado esconderijo. E aí ficou, debaixo de uma secretária, acocorado e letárgico, à cuca, até chegarem os Comandos que o viriam excarcerar da desonrosa posição.

Independência em 75

Colonizada no séc. XVI, a Guiné-Bissau rompeu o domínio português após 12 anos de luta e independentiza-se em 75. Nos anos 80 e 90, a presidência de Nino Vieira deu certa constância ao país, mas pouco progresso. Até hoje, já sofreu umas 20 tentativas de golpe de Estado, quatro com mudança sangrenta de regime.

Nino duas vezes

Nino foi o primeiro presidente eleito em democracia (94). Não conclui o mandato de cinco anos porque estala a guerra civil (98). Reeleito em 2005, torna a descumprir: é assassinado em 2009.

Um só presidente José Mário Vaz é o único dos sete presidentes eleitos, entre outros tantos interinos, a cumprir um mandato inteiro (2014-2019). O atual presidente, Sissoco Embaló, foi eleito em 2019. As próximas presidenciais são em 2024.

JN/MS

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