Como o lobby de armas controla o Senado
Como acontece em grande parte dos problemas do mundo, o ‘mal’ tem motivações monetárias. O problema do armamento desmesurado nos Estados Unidos não é recente e o próprio Presidente Barack Obama – depois do ataque armado a Sandy Hook – deixou bem claro que “os EUA estão paralisados, não por medo, mas pelo lobby de armas e partidos políticos que mostraram pouca vontade de agir para prevenir estas tragédias”. Dez anos depois, pouco mudou.
O lobby de armas consiste nos esforços feitos para influenciar as políticas sobre armas, tanto a nível federal como estadual. Normalmente feito através do apoio a candidatos políticos que se opõe ao controlo de armas e campanhas que influenciam a opinião pública. Como sabemos, nos Estados Unidos, quem quer participar na vida política tem de apresentar fundos para o fazer, e é através de doações monetárias, cuidadosamente navegadas por entre as leis de financiamento eleitoral que, a NRA e outros grupos pró-armas, têm vindo a controlar as políticas que são aprovadas.
A NRA (National Riffle Association) foi criada em 1871 por dois veteranos da guerra civil; em 1975 criaram uma ação de lobby, hoje é o grupo pró-armas mais influente do país e tem vindo a investir milhões de dólares para bloquear a prevenção da violência armada. Estudos demonstram que a NRA tem fortes ligações a multibilionários da indústria do armamento, portanto, existe uma forte motivação para aumentar a venda de armas. Segundo a OpenSecrets – uma organização sem fins lucrativos que acompanha os gastos na política dos EUA – entre 2010 e 2020, os grupos pró-armas gastaram mais de $155 milhões. Apenas em 2016, a NRA relatou gastos externos que rondavam os $50 milhões para apoiar a candidatura de Donald Trump e de outros seis candidatos republicanos ao Senado. Em 2018, Ted Cruz, senador do Texas, recebeu $311,151 em contribuições diretas de grupos pró-armas para ser reeleito. Aliás, desde 2012, Ted Cruz tem sido o político mais beneficiado com contribuições monetárias. Não se limitando ao controlo político, tentam ainda influenciar a opinião pública. De acordo com o Center for Public Integrity, em 2016, um em cada nove anúncios que passaram na televisão da Carolina do Norte eram patrocinados pela NRA.
Pelo menos 81.4 milhões de americanos possuem armas. Cerca de 81% dos cidadãos, de ambos os espetros políticos, apoiam o aumento do processo de verificação de antecedentes, impedido a compra de armas por pessoas com problemas mentais, por exemplo. Contudo, até agora, foram tomadas poucas medidas para controlar o acesso a armas. Durante a administração Trump apenas se baniu o uso de um acessório que permite que uma arma semiautomática dispare como uma automática. Entretanto a Câmara dos Comuns aprovou duas medidas com algum apoio bipartidário que fortalece e amplia o processo de verificação de antecedentes criminais. Foi também aprovada uma reautorização da Lei de Violência Contra a Mulher, contestada pela NRA porque vai impedir que agressores possuam armas. O OpenSecrets revelou que quase todos os 46 senadores que votaram contra esta reforma tinham recebido contribuições de grupos pró-armas.
Com o aumento dos tiroteios em massa, também os grupos que promovem o controlo de armas têm vindo a aumentar desde 2013, mas a teimosia dos representantes políticos que permanecem na inércia perante tragédias impossibilita uma ação drástica. Para muitos, a sobrevivência da sua carreira política depende da sua (falta de) posição sobre este assunto. Parece que, para alguns, um título pomposo vale mais do que uma (ou várias) vida(s).
Em 2018, três semanas depois de 17 pessoas terem sido assassinadas numa escola na Florida, o governador implementou uma lei que impedia menores de 21 anos de comprar armas, impôs um período de três dias de espera, criou uma lei de red flags que permita às autoridades confiscar armas a pessoas que demonstrem um comportamento ameaçador. Pode parecer pouco significativo, mas a Florida é um estado de centro-direita muitas vezes visto como indicador de tendências políticas a nível nacional e poderia ser interpretado como uma possibilidade de entendimento neste tema. Porém, parece que isso não acontecerá.
Mesmo longe da realidade vivida quando foi criada a Segunda Emenda, os adeptos de armas continuam a agarrar-se a esse lapso constitucional para garantir o seu direito de carregar armas, ignorando o facto de que as que são utilizadas hoje em dia têm a capacidade de matar dezenas de pessoas em segundos. Depois do ataque feito num supermercado em Bufallo este mês, os republicanos bloquearam o projeto de lei anti terror doméstico. A constante rejeição de medidas que implementem a expansão da verificação de antecedentes, a lei dos ‘red flags’ ou a proibição de armas de nível militar, deve-se – segundo os republicanos – à sua ineficácia, uma vez que atribuem culpa a outras causas, como a questão da saúde mental apontada por Ted Cruz como a causa do ataque em Uvalve. De facto, não há leis que impeçam crimes violentos como aqueles a que temos assistido do outro lado da fronteira, mas certamente que existem leis que podem diminuir o acesso a armas mortíferas.
Redes Sociais - Comentários