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“A mensagem de Jesus é leve, Jesus não é um polícia… muito menos castigador.”

Carolina Freitas, assistente social e ex-postulante a freira

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Uma história de fé, entrega, descoberta, decepção, aceitação, amor…e renascimento. Com uma formação tradicionalmente católica, a portuguesa Carolina Freitas, de 31 anos, sempre teve a fé em Jesus Cristo e o espírito solidário presentes dentro de si. Ainda bastante jovem se aventurou em missões de ajuda humanitária em países de extrema pobreza como Guiné Bissau e Angola, e descobriu nessas experiências a alegria de ajudar ao próximo. Foi essa vocação e devoção que a fizeram tomar um caminho inesperado para muitos e justamente no momento em que estava no auge da sua juventude e carreira profissional.

Aos 26 anos, já graduada em Assistência Social, trabalhava numa conceituada instituição, ganhava bem, viajava à passeio, tinha um namorado…tudo dentro do modelo designado socialmente como “alguém feliz e bem-sucedida”. No seu interior, no entanto, ela diz que a inquietação e o vazio eram grandes. Foi nessa altura que tomou coragem, e de fato precisou de muita, e decidiu deixar tudo o que tinha para trás e ingressar no Convento das Irmãs Franciscanas de Fátima, que já conhecia através das missões humanitárias.

Nem é preciso dizer que a família e os amigos questionaram a decisão. Porém ela sentia que precisava daquilo. E mergulhou nessa experiência. Por um ano se despiu de vaidades, títulos e qualquer outro sentimento mundano, e se entregou à vida na congregação. Nesse período conta que descobriu muito sobre si própria e, claro, pode ver de perto o funcionamento da instituição da Igreja Católica. Nem tudo que viu foi do seu agrado e nem todas as imposições serviam para ela. A mesma coragem que precisou para entrar no convento, foi necessária para se despedir.

Para muitos essa pode ser uma história falhada, de arrependimento, a própria Carolina confessa que o sentimento de fracasso tomou conta de si quando resolveu desistir da caminhada para se tornar freira. Mas olhando mais de perto, conhecendo um pouco dessa trajetória, que a Carolina nos conta com tamanha sensibilidade e honestidade nessa entrevista, vemos uma linda história, de alguém que nos mostra que a vida é uma eterna busca por aquilo que nos faça feliz e nos preencha, espiritualmente também. Seres humanos, instituições, todos têm as suas imperfeições e arestas…é preciso estar atento a elas e tentar corrigí-las, afinal, errar, se arrepender e pedir perdão é um dos ensinamentos de Cristo. Procurar acompanhar os tempos não é sinal de fraqueza nem “modernização” apenas uma adequação necessária para a evolução e continuidade.
Convido vocês, leitores, a descobrirem um pouco mais da apaixonante história de vida de Carolina Freitas. A assistente social, hoje com 31 anos, mora atualmente em Fátima, Portugal, onde trabalha numa casa de acolhimento para crianças. Está namorando o homem com quem acredita vai se casar e constituir família e integra a Ordem das Carmelitas Descalças como membro secular.

 

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Milénio Stadium: A Carolina foi criada dentro dos preceitos da Igreja Católica. Como foi sua formação religiosa?
Carolina Freitas: Cresci numa família de operários, um pai carpinteiro e uma mãe cujo ofício se prende com a melhor arte que Felgueiras tem, o calçado, tive a melhor catequista de sempre: a minha mãe, mesmo antes até de entrar na catequese, o que me deu sempre muita vontade de estar envolvida na paróquia ao longo do meu crescimento, como membro do grupo coral, acólitos, grupo de jovens, como catequista e até membro de um grupo de teatro musical católico onde vestia a pele da Mãe das Mães, a Nossa Senhora.

MS: A sua formação acadêmica é na área da assistência social. Sempre teve o desejo de trabalhar nesse setor e de participar de missões humanitárias em países carentes da África, por exemplo?
CF: A minha vida foi e é pautada por duras batalhas entre o bem e o mal, ou o que a sociedade impunha como bem ou o correto e aquilo que, para mim, fazia sentido – a minha verdade. Assim sendo, desde muito nova, os meus objetivos de vida estavam definidos. Trabalhei desde cedo e queria “ser alguém”, focando-me apenas e só na minha verdade e objetivos, sucumbindo a muitos dos prazeres e paixões que o mundo acaba por facilmente proporcionar a qualquer jovem, mas que me levou a afastar daquela que era a minha tradição cristã, revoltando-me contra a igreja e refugiando-me na errónea ideia que tantos empregam em si – “eu cá tenho a minha fé”. No entanto, ainda se fazia sempre notar um sopro de esperança para mim, ou melhor dizendo, a mão de Deus, embora não a visse, ela ia-me amparando em pequenas coisas, com pequenos sinais, aqueles suaves que só em silêncio se fazem notar e por isso se consegue ter a chave de leitura para os mesmos, e assim sem saber bem o porquê, apenas porque o sentia, largava quase tudo e ia. Levava malas cheias, que voltavam vazias, mas o coração esse, transbordava de gratidão, pelo ir. O ir em missão para mim, não se traduzia em gestos improvisados de boa vontade para colocar a minha consciência em paz, pois não pensava nestes países subjugados como destinatários de uma boa obra de voluntariado que esporadicamente podia fazer quando me fartava deste mundo parvo. E assim, aos 19 anos viajo até à Guiné-Bissau a título particular vivendo na casa de Irmãs Franciscanas; em 2012 a convite pela faculdade onde estudava, vou até a Angola, num projeto “Um livro pela Lunda Sul” por 5 meses e em 2017 faço missão de apenas um mês em Timor também com irmãs Franciscanas.

MS: De onde surgiu a vontade de, ainda tão jovem, integrar o Convento das Irmãs Franciscanas de Fátima? Teve o apoio de familiares/ colegas de trabalhos?
CF: Após esta missão regresso era como se o que até ali tinha vivido em nada fazia sentido para mim! Nada, nada me encaixava, servia, nada combinava com o que pensava e, portanto, o meu agir até ali já não refletia a Carolina que se transforma a partir dali. Em 2 meses largo tudo, literalmente, o que tanto lutei para TER, percebendo que me tinha esquecido do SER, entro numa Congregação de Franciscanas em Fátima, na certeza que iria ser uma Irmã Franciscana Missionária. Esta última missão a Timor tinha tido um impacto diferente, talvez porque tinha trabalhado com a fragilidade dos idosos que acabam por não ser tão bem cuidados como o que esperávamos, mas que para aquele contexto era o suficiente. Envolver-me numa esfera vulnerável como os idosos em Timor, levou-me a pensar que tipo de pessoa me quero tornar e ser para os outros, quero SER ou TER? A família não aceitou, não compreendeu e os amigos questionavam sobre o que teria ocorrido, valorizando a “atitude nobre”, mas que não aguentaria muito tempo.

MS: Por quanto tempo fez parte do convento e o que a fez decidir que não queria mais seguir nesse caminho?
CF: No convento estive cerca de um ano, integrando o aspirantado/postulantado na Congregação, sendo a primeira das etapas da formação, embora varie de congregação para congregação. Ao longo desse período, percebi que a minha formação não deveria ter sido feita sozinha, sem nenhum outro elemento em formação, na mesma condição que eu. A minha formação passou muito por tarefas domésticas, cozinhar e, de forma muito amadora, era cumprido um cronograma de aulas sobre a bíblia, congregação e São Francisco de Assis. Quando pedi para conhecer mais aquele que me tocou, “Jesus Cristo”, mostrando que tinha sede de saber mais e mais para anunciar este grande líder servidor, foi-me dito que ainda era muito cedo. Procurei pedir para me deixarem dar catequese e, apesar de terem deixado, como acabava tarde, jantava fora da hora da comunidade e, por isso,sentia que não era apreciado pela comunidade não estar nos momentos comuns da mesma. Ao longo do tempo que fui estando e com muita oração e discernimento, percebi que os preceitos pedidos que cumprisse, como usar saias pelo joelho, cortar o cabelo, não mascar chicletes, não conduzir sozinha (acabei depois por conduzir porque o meu orientador espiritual falou com a minha mestra e disse que não tinha jeito nenhum eu não conduzir), os ensinamentos da vida consagrada que me transmitiam, ainda eram muito do Vaticano I, estando já a igreja no Vaticano II. Senti, e Deus também me mostrou na sua palavra da bíblia, que o que me era pedido que fizesse como prova da minha doação, humildade e amor a Deus, não poderia ser razoável aos meus olhos, quando quem me olhou em primeiro lugar foi o verdadeiro Mestre, o perfeito, e que os seus ensinamentos em nada tinham que ver com regras de toda a ordem menos de Amor, Misericórdia e Evangelho. Para além da notícia que saiu no Vaticano sobre a Vida Consagrada, em pleno século XXI, ser marcada ainda pelas irmãs/freiras que servem os padres, cozinham, cuidam da casa e, no máximo, são professoras. E quando essa notícia sai eu estava a viver exatamente isso, em 3D. A ideia de que “foi sempre assim, daqui para a frente também será assim”, era também uma constante nas rotinas.
As irmãs devem prestar apoio aos padres e bem, mas a lógica não é de vassalagem, mas de parceria, colaboração, de pontes entre uns e outros até chegar aos confins, até chegar a todos. Foi-me “vendida” a ideia de que a vocação à vida consagrada era a mais perfeita das vocações, sendo que “o resto… pronto, acaba por se casar”. Neste sentido, não queria fazer parte de algo que não acreditava e que ainda hoje não quero ser – reflexo desse evangelho.

MS: Qual a avalição que faz desse período e os aprendizados que a trouxeram?
CF: Graças a este período, aonde fui sempre muito acarinhada e mimada por todas as irmãs, aprendi a silenciar, o mundo não nos deixa parar e nós gostamos desta confusão, deste rebuliço do fazer, querer tudo e o SER, tornar-se pessoa, perde-se. Este período ajudou-me a conhecer a minha humildade, que nada mais é do que a minha verdade, não sou perfeita nem buscava a perfeição, buscava o meu caminho na história da salvação. Este ano foi importantíssimo para o meu caminho, tinha que existir um corte na minha vida com tudo o que tinha vivido até ali, estar no convento deu-me “bagagem de igreja”, centrou-me no mistério Salvífico, centrou-me em Deus. No entanto, não foi o meu caminho, desiludiu-me em alguns pontos como a “servidão da mulher”, a falta de uma formação adaptada ou contextualizada à minha idade, percurso de vida e formação.

MS: Por que achas que os jovens estão cada vez menos ligados à Igreja Católica? O que poderia ser feito para mudar essa situação?
CF: Parece-me que é pelo que disse, mas também, porque a Igreja deixa escapar a compreensão da beleza da vida de Jesus e os seus ensinamentos tão simples, com o excesso de rituais, formalidades, de empreiteiros da moral, do certo e do errado, das leis, das regras, ou seja, de tudo o que me obrigaram a fazer e cumprir no convento! E estas exigências afastam os jovens… a mensagem de Jesus é leve, Jesus não é um polícia…muito menos castigador… A mensagem de Jesus é apenas para que sejas tu mesmo, aquele que ele criou para dar fruto… e não um conjunto de regras e normas que ditam se és digno ou não de ser freira ou padre ou católico. A igreja deve acolher todos pelos ensinamentos da misericórdia de Jesus (no caso das obras de misericórdia- que hoje falamos na luta pelos direitos humanos). Penso que a mensagem sendo atual, a forma como a mensagem está a ser transmitida está desatualizada quer na forma, quer nos meios, quer no estilo. Os nossos jovens precisam de modelos reais, de pessoas de carne e osso, pessoas normais como diz o livro do Papa Francisco, que largam tudo e seguem Jesus, mesmo no século XXI, sem problemas em mostrarem as dificuldades, não tentando passar sempre a mensagem de perfeição. Falta o dinamismo na forma como se passa a mensagem, a abertura da igreja para atualizar a mensagem e estar preparada para as questões dos jovens e para o debate de ideias que os inquietam, sem afastar ou julgar. A fé deve ser explicada de forma mais objetiva e esclarecida, como tão bem fazem algumas ordens religiosas. Exemplo disso são os jesuítas, como é o caso do Papa Francisco.

Lizandra Ongaratto/MS

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