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A guerra e a economia global

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A guerra e as suas consequências – morte, destruição, incerteza em relação ao futuro quer da Ucrânia, como do estado invasor (a Rússia), mas também do resto do mundo. É sabido que os efeitos colaterais de uma guerra têm um forte impacto na economia. No caso concreto desta guerra, está demasiado evidente que o xadrez do combate move-se muito com os símbolos dos diversos mercados implicados – o euro, o dólar americano, o dólar canadiano, a libra esterlina, os francos suíços e, claro, o rublo são peças fundamentais para se compreender o que está aqui em jogo. Ao ataque russo o mundo está a responder com sanções de vária ordem, mas as sanções económicas são as que se espera tenham mais força e ajudem a silenciar as armas. Estabeleceu-se então aquilo a que se poderá chamar uma guerra económica à escala global, que vai transformar as nossas vidas. Só que a Rússia e a Ucrânia são fornecedores relevantes de importantes matérias-primas (cereais, petróleo e gás natural) e, por isso, as sanções poderão afetar não só a Rússia como os seus clientes. Os aumentos esperados, mas ainda não devidamente dimensionados, de produtos básicos vão seguramente elevar ainda mais o nível de inflação e a recessão pode ser uma realidade.

Mas as sanções estenderam-se aos mercados financeiros, com o congelamento de contas bancárias, afastamento da Rússia do sistema Swift, etc. E se é verdade que afetarão fortemente o país agressor, também é indiscutível que impactarão todos os países que mantinham relações comerciais com a Rússia.

E assim, numa altura em que o mundo começava a levantar cabeça e tentava relançar a economia debilitada pela pandemia, eis que surge este conflito que terá (já está a ter) consequências para a vida de todos nós, cidadãos do mundo.

Com Pedro Antunes, Economista Chefe do Conference Board of Canada, vamos tentar entender melhor de que modo todos nós, mesmo os que vivem em locais mais distantes do epicentro da invasão, vamos sofrer as consequências desta guerra.

Milénio Stadium: Esta guerra entre a Rússia e a Ucrânia está a ser combatida em várias frentes. Uma delas é a económica. Os países da União Europeia e os que pertencem à NATO já implementaram uma série de sanções à Rússia nessa vertente. Que impacto real estas sanções poderão ter na Rússia e na resolução deste conflito armado?
Pedro Antunes: Putin pôs a Rússia num caminho desastroso. A economia russa será duramente atingida por sanções, algumas tiveram impacto imediato enquanto outras terão repercussões contínuas e a longo prazo na economia russa. Embora as vias ainda estejam abertas para a Rússia continuar a exportar bens e recursos essenciais, as sanções tornaram mais difícil e dispendioso fazê-lo. O gás e o petróleo russos continuam a fluir para a Europa, mas esta situação pode mudar rapidamente. Os fluxos comerciais para outros bens e serviços irão provavelmente abrandar para níveis mínimos. A decisão de invadir a Ucrânia e as sanções internacionais impostas que se seguiram conduziram a um colapso do mercado bolsista russo e do valor do rublo. Os cidadãos russos pagarão o preço pelas decisões do seu líder mas, claro, nada se compara à situação trágica que os ucranianos estão a atravessar.

MS: Por outro lado, que impacto poderão ter para o sistema financeiro internacional? Nomeadamente as sanções anunciadas que afasta os bancos russos do sistema SWIFT da União Europeia, EUA e Canadá e também o congelamento de contas de oligarcas russos?
PA: Os bancos canadianos e o nosso sistema financeiro não estão muito expostos à Rússia. Contudo, a Rússia é a 11ª maior economia do mundo, e o seu desaparecimento terá implicações para as empresas e instituições financeiras fora da Rússia. A extensão do impacto é difícil de avaliar, mas mesmo os países mais expostos, tais como os da Europa Oriental, assinaram prontamente as sanções. A minha impressão é que o impacto direto sobre o sistema financeiro fora da Rússia será controlável.

MS: Tudo isto e a proibição de importações ou exportações com a Rússia, que vários países em todo o mundo estão a decretar, como vai impactar, na prática, na vida do cidadão comum?
PA: É claro que os cidadãos fora do conflito irão lidar com o stress e a incerteza provocados pela guerra e as preocupações com a escalada da guerra. A maioria das ramificações económicas será sentida através de preços mais elevados (especialmente para os alimentos), mercados de ações voláteis para aqueles que têm investimentos e uma subida mais lenta das taxas de juro. Apesar das maiores pressões inflacionistas, os bancos centrais terão menos probabilidades de apertar a política monetária demasiado depressa devido à incerteza económica.

MS: É sabido que a Rússia e a Ucrânia são dos maiores exportadores de cereais e também sabemos que o gás natural chega a grande parte da Europa, vindo da Rússia. Por quanto tempo se sofrerá com os previsíveis consequentes aumentos de preços destes bens essenciais?
PA: Penso que só podemos dizer que o preço permanecerá elevado enquanto houver conflito e tensão. Muitos preços de recursos tinham surgido antes do conflito, refletindo um “prémio de risco” (“risk premium”). Neste momento, penso que não é possível saber quanto tempo durará o conflito militar.

MS: O aumento da inflação será uma das consequências mais esperadas. Muitos países, incluindo o Canadá, com a pandemia já estavam a bater níveis históricos de inflação. Com esta situação agora, como vão os sistemas económicos reagir?
PA: A inflação tem vindo a aumentar em todo o mundo à medida que as economias se reabrem na sequência da pandemia. Estas pressões permanecem e são exacerbadas pelo conflito Rússia-Ucrânia. Os preços elevados da energia afetarão diretamente as famílias, mas também aumentarão os custos de transporte para todos os bens que compramos. Recentemente, os preços dos alimentos têm aumentado significativamente a inflação para as famílias canadianas. A redução da produção ou exportação de grãos, sementes oleaginosas ou potassa da Ucrânia e da Rússia irá também aumentar os preços dos alimentos. Mas há muitos outros produtos para os quais a Rússia é um importante fornecedor global, incluindo néon, que é utilizado em microchips e paládio, utilizado em conversores catalíticos para veículos a gasolina.
Apesar do esperado aumento da inflação, os bancos centrais no Canadá e noutras partes do mundo podem hesitar em aumentar rapidamente as taxas. Já existiam riscos de que a inflação pudesse sair de controlo em espiral, a incerteza provocada pelo conflito aumenta esses riscos.

MS: Esta guerra económica pode transformar-se, na realidade, na verdadeira guerra mundial, embora sem armas?
PA: Não me parece. Tenho muita esperança que a “guerra económica” sobre a Rússia ajude, de facto, a pôr rapidamente termo à verdadeira guerra.

Catarina Balça/MS

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