África

“Estou com fome, estou a sofrer”, um lamento de quem persiste em Palma

Isaria Saíde é analfabeta e não sabe quantos dias passaram desde que os rebeldes atacaram Palma, na província de Cabo Delgado (norte de Moçambique), mas a única preocupação que tem é encontrar um abrigo para a família e comida.

“Fome! Estou com fome, estou a sofrer! Estou a dormir na rua, no mato. Estou mal aqui em Palma”, disse à agência Lusa.

Isaria está no meio da rua principal da vila de Palma. Está a tentar vender peixes e caranguejos que apanhou, mas não há quem compre.

Passaram 20 dias desde a invasão da vila pelos insurgentes. Palma continua inerte, apesar de, aos poucos, haver mais pessoas nas ruas.

Isaria não viu a destruição da vila porque quando os terroristas entraram em Palma apressou-se a fugir e deambulou durante vários dias no mato e entre as aldeias de Quiuia e de Quirinde.

“Sou analfabeta, não sei quantos anos tenho”, explicou, e, por isso, também não sabe quantos dias esteve escondida no mato, mas não está preocupada com estes detalhes.

A fome persiste e esta residente em Palma tem sete filhos e quatro netos para alimentar. Hoje ainda ninguém comeu e seguir, por exemplo, para Pemba não está nos planos.

“Não tenho nada para comer, estou com fome, estou a sofrer muito. Todas as pessoas estão mal aqui. Estou aqui assim mesmo”, repetiu, visivelmente desesperada.

Costuma ir até à praia pescar os peixes, que são pequenos, com a ajuda de um dos filhos, na esperança de servirem para saciar a fome e, talvez, para adquirir algum dinheiro.

A intervenção do Governo é reivindicada por Isaria Saíde, que repetiu que está a dormir ao relento, ainda para mais quando a chuva que se fez sentir durante todo o dia em Palma é presságio de que dias e noites mais complicados se avizinham.

A fome e desamparo também estão presentes nas palavras de Abdul. Viu-se obrigado a vender o telemóvel por 200 meticais (2,74 euros) para comprar comida, em particular caril, por 150 meticais (2,06 euros).

Com apenas 50 meticais (0,69 euros) não lhe sobra dinheiro para comprar, por exemplo, arroz ou farinha. Carregava dois cocos e uns quantos peixes, pequenos, envoltos em plástico. Vai ser a refeição de hoje para a família.

Questionado sobre o que iria fazer para alimentar a família amanhã, Abdul respondeu: “Deus é que sabe”.

Os relatos de Abdul e de Isaria são o retrato da vida em Palma. Pessoas com fome e sem casa entre edifícios completamente destruídos e a deambularem pelos destroços. Os prédios que ainda estão de pé não são seguros, já que o fogo pode ter danificado as estruturas, por isso, o mato é mais seguro, apesar de o inverno estar a chegar e com ele a época de chuvas torrenciais.

Como o medo em relação ao regresso dos ‘jihadistas’ impera, no mato os habitantes de Palma acreditam que têm mais hipóteses de fugir, se esse dia chegar.

A violência desencadeada há mais de três anos na província de Cabo Delgado ganhou uma nova escalada há cerca de duas semanas, quando grupos armados atacaram pela primeira vez a vila de Palma, que está a cerca de seis quilómetros dos multimilionários projetos de gás natural.

Os ataques provocaram dezenas de mortos e obrigaram à fuga de milhares de residentes de Palma, agravando uma crise humanitária que atinge cerca de 700 mil pessoas na província, desde o início do conflito, de acordo com dados da ONU.

O movimento terrorista Estado Islâmico reivindicou na semana passada o controlo da vila de Palma, junto à fronteira com a Tanzânia, mas as Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas reassumiram completamente o controlo da vila, anunciou o porta-voz do Teatro Operacional Norte, Chongo Vidigal, uma informação reiterada pelo Presidente moçambicano, Filipe Nyusi.

JN

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